Que falhas temos nós, enquanto portugueses, quando recordamos o nosso passado? O que foi, verdadeiramente, o colonialismo português?
Em 1975, a taxa de analfabetismo, em Moçambique, era de 93%; em Angola, cerca de 80%; na Guiné-Bissau, rondava os 90%; a de Cabo-Verde, era cerca de 77% e São Tomé e Príncipe tinha uma taxa de 80%. Na metrópole, a taxa rondava os 24%. Os países recentemente independentes herdaram um pesado problema estrutural devido à colonização.
Ondjaki uma vez escreveu que a guerra é “uma lembrança sempre a sangrar”. Talvez possamos dizer o mesmo sobre o colonialismo. A marca do analfabetismo é uma das feridas por sarar. Embora cada um destes países tenha desenvolvido mecanismos para estancá-la (claro que, de forma desigual, tendo em conta os contextos estruturais de cada um deles), é notória, nas populações mais envelhecidas.
Mas outras marcas haverão. O colonialismo português foi marcado por uma forte tensão racial, consequência da divisão racial imposta pelo próprio sistema. A segregação racial imposta nas colónias, por vezes províncias, conforme a vontade do legislador, comportava dois modos: um formal e outro material.
Quanto ao regime formal, referimo-nos, por exemplo, à lei de Norton Matos, da década de 1920, que dividiu a Administração Pública Colonial, criando um quadro para europeus e outro para africanos, impossibilitando um negro, mesmo instruído e “civilizado”, de receber o mesmo que um branco pela mesma função profissional;ou o Estatuto do Indigenato, que restringia o acesso à cidadania portuguesa, utilizando como critério predominante a raça.
Quando falamos do regime material, falamos daquele implantado na ausência de lei, o de base consuetudinária. Falamos, portanto, da divisão nos autocarros (machimbombos) e a possível repreensão por parte de um agente de autoridade caso um negro (indígena) se sentasse no lugar dos colonos; do impedimento de negros de entrarem em certos estabelecimentos, como salões ou hotéis, ou, ainda, a proibição de circular nas áreas destinadas aos brancos (ou civilizados) sem uma guia de trânsito.
No sistema português, a necessidade de controlar a população africana, inquinada pela fraca densidade populacional da metrópole, pela escassez de meios e capital, obrigou a um regime que, desde logo, separasse o colono do colonizado, e colocasse o último ao serviço do primeiro. O colonizado, o indígena, não é português, portanto rege-se pelos seus costumes, ou seja, existe uma jurisdição própria para ele (que não tem acesso aos tribunais). O colonizado não estuda, porque o Estatuto do Indígena define que a civilização do indígena é feita através do trabalho.
Em 1961, o regime, confrontado com a eclosão da guerra e cada vez mais isolado no plano internacional, opera diversas mudanças legislativas, que conduziram a uma aparente flexibilização da questão racial. Contudo, embora o trabalho forçado tivesse sido abolido e todos os habitantes das colónias fossem oficialmente iguais perante a lei, será que a igualdade política social e económica entre brancos, mestiços e negros foi alcançada? Há autores, como Elizabeth Vera Cruz, que defendem que o ensino continuou segregado e que ao autóctone (expressão que veio substituir o termo indígena) era destinado um sistema de ensino próprio que melhor se adaptaria às suas capacidades, encaminhando-o assim para o ensino técnico-profissional.
Nos dias de hoje, passadas várias décadas, o passado colonial continua a sangrar na construção de uma memória coletiva que foge à realidade dos factos históricos. Infelizmente, a História não equivale a uma máquina do tempo e talvez nunca saibamos verdadeiramente qual o verdadeiro impacto do colonialismo na vida das populações africanas. Contudo, compete-nos, como estudantes e cidadãos deste país, refletir sobre certos aspetos da nossa História: Terá sido Portugal o responsável pela educação e civilização do africano, ou aquele que oprimiu e restringiu os direitos do colonizado? Terá sido o português aquele que se misturou com a população ou aquele que as marginalizou e destruiu a sua cultura?
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