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Foto do escritorFrancisca Bastos

Quando cessará o perpétuo sofrer de África?

A 6 de abril de 1994, o avião onde viajava, de entre outros, o presidente do Ruanda, Juvénal Habyarimana, pertencente à maioria Hutu, foi abatido, do qual resultou a morte de todos os passageiros e tripulantes. Por se crer que o ataque foi da autoria da minoria Tutsi, este desencadeou aquilo que conhecemos atualmente por Genocídio do Ruanda – durante 100 dias foi executada, pelos Hutus, uma campanha premeditada e sistemática de massacres contra os Tutsis, destinada a eliminá-los, de forma geral e indiscriminada. Estima-se que em apenas 3 meses tenham sido mortos cerca de 1 milhão de Tutsis.


Imagem 1: Genocídio do Ruanda

@Médicos Sem Fronteiras @Sebastião Salgado


Foi no pós Genocídio do Ruanda que se iniciou, num dos seus países fronteiriços, a Segunda Guerra da República Democrática do Congo (RDC) – conflito com mais mortos desde a Segunda Guerra Mundial. Em 1996, existia, por parte do governo ruandês, uma preocupação com a ascensão de milícias Hutus na região, que utilizavam o Zaire (atual RDC) para atacar o seu território. Com o apoio de Angola e do Uganda, soldados e milícias ruandesas partiram pelo rio do Congo e instauraram Laurent-Désiré Kabila no poder. Com intuito de demonstrar força, Kabila impôs uma série de medidas nacionalistas, claramente não favoráveis ao Ruanda e aos restantes aliados. Em 1998, Kabila exigiu a retirada das tropas das nações africanas vizinhas. Daqui resultou, novamente, a invasão da RDC por parte de tropas ruandesas. Países como Burundi e Uganda (convizinhos da República) rapidamente se envolveram. O conflito intensificou-se de tal maneira que, em 2002, a comunidade internacional tentou resolver a situação – não surtiu efeito. No ano subsequente, um acordo mais definitivo foi assinado, a partir do qual as tropas ugandesas e ruandesas se começaram a retirar; as milícias congolesas foram desarmadas e um Governo de Transição consolidou-se. Em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUSCO, sigla em francês) com vista a acompanhar o processo de paz da Segunda Guerra do Congo, embora muito do seu foco se tenha, posteriormente, voltado para os conflitos como o em Ituri e o de Kivu.


Imagem 2: Mapa do Zaire (atual RDC) e as suas fronteiras


Em 2012, surgiu o M23 (Movimento de 23 de março), um grupo militar da etnia Tutsi com base nas áreas a leste da RDC, que opera principalmente na província de Kivu do Norte. A oposição deste face ao governo congolês forçou o deslocamento de um grande número de pessoas. Em novembro do mesmo ano, o M23 assumiu o controlo de Goma (principal cidade de Kivu do Norte), tendo sido mais tarde forçado a evacuar dada a vontade do governo da RDC em negociar com o grupo. No final de 2013, com a ajuda das tropas da ONU, Goma voltou a estar sob a alçada das tropas congolesas; o M23 anunciou o cessar-fogo, expressando o seu desejo pela retoma das negociações de paz.


Inúmeras fontes afirmam que o M23 seria apoiado pelo Ruanda. O Ruanda, no entanto, nega a acusação. Este apoio foi posteriormente confirmado por um relatório vazado da ONU com fotos de tropas ruandesas e combatentes do M23 armados e fardados com uniformes do exército ruandês.


Imagem 3: Tropas do M23

@Al Jazeera English


Fundamental para entender tudo isto é o facto da RDC ser um país bastante rico em recursos naturais tais como ouro, diamantes, cobre e coltan, contendo cerca de 64% das reservas mundiais deste último preciosíssimo mineral, imprescindível na inovação tecnológica e presente em quase todos os telemóveis ou computadores. Nações ocidentais, como os Estados Unidos da América, o Reino Unido e a França, fornecem apoios financeiro e militar a Ruanda e ao Uganda, sendo que estes últimos dois utilizam esses recursos para controlar militarmente as regiões mais ricas em reservas de coltan. O Ruanda é, afinal, o seu terceiro maior exportador, apesar de não dispor de uma única mina. Este complexo e internacionalizado processo envolve a participação de grandes empresas multinacionais associadas ao negócio mineiro, acusadas de recorrerem a trabalho escravo, inclusive infantil, para atingir o objetivo supramencionado – a ONU já declarou que estas empresas são “o motor do conflito”; António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, usou mesmo o termo de “extorsão” para caracterizar o comportamento do sistema financeiro internacional em relação ao continente africano.


Imagem 4: Child miners: the dark side of the DRC’s coltan wealth

@Institute for Security Studies


Calcula-se que, desde 1996, se tenham perdido aproximadamente 6 milhões de vidas fruto da conjuntura vivida no Congo Democrático. A população obrigada a abandonar as suas casas em virtude da violência e dos conflitos atingiu, recentemente, o recorde de 6,9 milhões – qualificado, pela Organização Internacional para as Migrações (agência da ONU), como um dos maiores deslocamentos demográficos internos e crises humanitárias do mundo. A cada hora, objetificadas como armas de guerra, 48 mulheres são vítimas de violência sexual. Consistentemente, a RDC encontra-se posicionada nos últimos lugares do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, apesar da sua extrema riqueza natural.


Imagem 5: Posicionamento da RDC no IDH. Participam no ranking 191 países.


No mês passado, a MONUSCO anunciou a suspensão e detenção de 9 capacetes azuis (forças militares multinacionais da ONU) acusados de exploração e abuso sexual. No seguimento desta situação e do surgimento de uma nova e intensa escalada dos combates do M23, na zona leste da RDC, volvidos meses de aparente tranquilidade, o governo congolense apela à “saída acelerada” da Missão a partir de dezembro, pois “após 25 anos de presença no país, a ONU não ter conseguido pôr fim à violência dos grupos armados”. 

Fala-se de um holocausto silencioso – o Mundo está a assistir, em tempo real, à destruição em massa de um país e da sua população. Ou será que está mesmo?


Antes da MONUSCO aparecer, o Congo existia e vivíamos em paz. Quando a MONUSCO for embora, o Congo continuará. Porque não temos de viver para sempre com uma missão que não nos está a ajudar. Temos de lutar para ter um novo Congo, um Congo digno. Um Congo bem governado – testemunho de um organizador de um protesto contra a manutenção da MONUSCO na sua Casa.


Imagem 6: Forças militares da MONUSCO

@MONUSCO photos


Tirem as mãos da República Democrática do Congo, tirem as mãos da África! Parem de sufocar África: não é uma mina a ser explorada, nem uma terra a ser saqueada. – Papa Francisco


Francisca Bastos

Departamento Sociedade

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