Chegou o último mês do ano e, com ele, o arranque da quadra natalícia. No último dia 20, a função pública recebeu o Subsídio de Natal, popularmente apelidado de “13.º mês”, e até dia 15 de Dezembro, os restantes trabalhadores do sector privado também terão recebido este “salário extra”. Estabelecido por decreto-lei, no ano de 1972, durante o governo de Marcello Caetano, e posteriormente estendido à generalidade dos trabalhadores no governo de Vasco Gonçalves (uma vez que, originalmente, era apenas destinado a funcionários públicos e com carácter excepcional), este subsídio foi criado com o intuito de permitir que os trabalhadores façam face às despesas extraordinárias que são típicas desta altura do ano, mas acaba também por saber um pouco a “incentivo ao consumo com cheirinho a canela”.
A verdade é que o Natal se transformou num negócio. Por mais que o cinema e a indústria musical tentem passar a mensagem de que “Natal é família” e “paz” e “solidariedade”, acabam por só contribuir para o facto de que o Natal é o Pai Natal, são as prendas, e todos os gastos que isso acarreta. Segundo um estudo do Observador Cetelem Natal, em média, as famílias Portuguesas tencionam gastar 272 euros com o Natal — o que, de resto, representa um aumento de 27% face a 2023 —, mas a verdade é que estes valores podem tender a rondar os 400, 500 euros, algo que, mesmo com o incentivo do 13.º mês, acaba por ser difícil de comportar.
Mas vamos a estatísticas: em termos reais, fazer contas com o salário médio acaba por ser ilusório, uma vez que cerca de 66% dos contribuintes auferem um salário mensal inferior a 1000€ (dados do Jornal de Negócios, referentes ao ano de 2023), com aproximadamente 21% a receber o salário mínimo, mas como se está a falar em médias, considerar-se-á o valor bruto de 1528 euros (dados do INE para o 3.º trimestre de 2024). Para se poder compreender o verdadeiro retorno que o Estado tem com a atribuição deste subsídio e o estímulo do mercado, é importante analisar a relação entre a receita fiscal e os gastos adicionais dos trabalhadores durante esta época.
Primeiramente, devemos olhar para as receitas fiscais geradas pelo Subsídio de Natal, uma vez que este é tratado como um rendimento tributável. A taxa de IRS depende do escalão de rendimentos do trabalhador, mas vamos usar, para fins estatísticos, uma retenção na fonte de 15% (a taxa efectiva de IRS paga pelos trabalhadores situa-se, em média, entre 10% e 18%). Acrescem ainda a este valor as contribuições para a Segurança Social, 11% a cargo do trabalhador e 23,75% a cargo do empregador. Ao valor que sobra — cerca de 70% do rendimento bruto —, subtraem-se os 85% a 90% de gastos em despesas correntes. Novamente recorrendo a dados do INE, as despesas médias das famílias portuguesas concentram-se em encargos associados à habitação (+/- 40%), à alimentação (+/- 13%) e aos transportes (+/- 12%), para além dos gastos em educação, saúde e lazer. Feitas as contas, chega-se à conclusão que a soma dos gastos regulares com os gastos adicionais do Natal representa, mais ou menos, 80% a 90% do bolo “salário + 13.º mês”. Estes dados refletem claramente o porquê da dificuldade das famílias em equilibrar as finanças nesta época do ano.
No entanto, o Estado acaba por não lucrar apenas com a arrecadação de mais impostos (IRS e SS) sobre os salários e os subsídios pagos e as despesas habituais dos trabalhadores, mas também (de forma indirecta) com a estimulação da actividade económica, já que isso acaba por representar uma recolha adicional dos impostos relacionados com o mercado. Verifica-se, por exemplo, um aumento do IVA, uma vez que há também um aumento do consumo por parte das pessoas. Sendo que o foco está, especialmente, na compra de presentes como roupas, brinquedos e aparelhos electrónicos, a taxa normal de IVA está nos 23%, e mesmo fazendo uma média ponderada dos três escalões principais existentes (23%, 13% e 6%), pode-se dizer que o consumo é taxado em 18%. Para além disto, há também um incremento das receitas dos impostos empresariais, como o IRC e a possibilidade da criação de empregos temporários.
De uma forma geral, e em suma, os gastos adicionais do Estado acabam por ser compensados pela receita resultante do estímulo económico e fiscal que ocorre com a atribuição do Subsídio de Natal e, consequentemente, com o incentivo ao consumo ao qual, indiscutivelmente, a quadra natalícia convida. Sem prejuízo do marco que foi a conquista do 13.º mês na luta pelos direitos laborais, e pela importância que tem para as famílias portuguesas, o certo é que não deixa de ser verdade que o Estado — e, neste caso, também o mercado, que transformou este feriado num autêntico “festival do dispêndio” — lucra mais do que aquilo que gasta com os trabalhadores, indo estes levando o Natal para a frente, entre rabanadas, bacalhau e cartas a um tal de S. Nicolau…
Boas festas!
Guilherme Gomes
Departamento Sociedade
Este artigo é escrito ao abrigo do antigo acordo ortográfico.
Excelente comentário. Só acrescentaria que a isto acresce o facto de toda a tecnologia comprada nesta época festiva e outras similares, contribuem em grande monta para desiquilibrar a nossa balança comercial. Afinal, tudo isso (aparelhos eletrónicos), antes de serem disponibilizados, são importado. Muitos parabéns pela coragem de escrever este Artigo, em tempos em que a frontalidade não é muitas vezes bem interpretanda, relembrando que a frontalidade é uma virtude.