A morte de Mahsa Amini despoletou, no Irão, uma verdadeira revolução popular: tendo-se iniciado com manifestações contra a obrigatoriedade do uso do hijab, rapidamente evoluiu para um movimento de contestação contra o regime – e se o regime iraniano já era contestado há muito, hoje vê os seus alicerces abanar. Contudo, as autoridades iranianas não têm poupado nos meios de reprimir esta onda de protestos.
A 16 de setembro iniciaram-se os protestos encabeçados por mulheres, que se foram multiplicando – estas, em sinal de revolta, tiram os hijabs, desobedecendo à imposição legal que estipula a obrigatoriedade da sua utilização, cortam os cabelos e entoam as palavras “Mulher, vida, liberdade”.
Em resposta ao aumento exponencial dos protestos, a violência policial tem sido cada vez maior, aumentando progressivamente o número de detidos e tendo mesmo provocado várias mortes, incluindo a de menores. O governo iraniano afirma que os protestos “estão nos últimos dias”, colocando todas as suas forças na repressão dos mesmos.
Fala-se na detenção de cerca de 18.000 pessoas, apesar de o regime iraniano negar a providência de qualquer tipo de informação sobre este tópico.
Entidades oficiais iranianas já se pronunciaram quanto ao número de mortes em protestos. No entanto, os dados não são unívocos: a agência de notícias Mizan (ligada ao poder judicial) cita o Ministério do Interior, que afirma a morte de 200 pessoas em motins; porém, Amirali Hajizadeh, comandante da Islamic Revolutionary Guard Corps (IRGC) Aerospace Force, fala na possibilidade de “talvez mais de 300 mártires e pessoas mortas”. Com estas declarações, chocam os dados revelados pela Iran Human Rights, que contabiliza, pelo menos, 458 mortes, entre as quais 63 crianças e 29 mulheres.
Serve de meio de repressão dos protestos a ameaça de aplicação de pena de morte àqueles que desafiem o regime (ainda que através de manifestações pacíficas). As autoridades iranianas têm vindo a realizar julgamentos infundados e fraudulentos, cuja sanção aplicável à procedência destes é a pena de morte. Isto consiste numa manobra de intimidação, de modo a tentar travar a avassaladora quantidade de protestos. Tribunais Revolucionários do Teerão condenam à morte indivíduos pelos crimes de “inimizade contra Deus” e “corrupção na terra” – a estes crimes correspondem atos de fogo posto, destruição de propriedade e agressão a um membro de segurança durante protestos.
No passado dia 8 de dezembro, foi anunciada a primeira execução de um prisioneiro (Mohsen Shekari) detido nos protestos. Shekari foi preso a 25 de setembro, acusado de bloquear uma rua e ferir, com recurso a uma catana, um militante islâmico, tendo sido condenado a 20 de novembro pelo Tribunal Revolucionário de Teerão. A sua acusação procedeu com o fundamento de “travar guerra contra Deus”.
São vários os que enfrentam acusações semelhantes, e que temem por um desfecho igual ao de Shekari. A Iran Human Rights identificou 11 protestantes condenados à morte e outros 30 enfrentam acusações puníveis com pena de morte. A Amnistia Internacional avançou, no passado dia 2 de dezembro, com a notícia de que 28 pessoas (entre elas, 3 crianças) podem enfrentar execução – a todas elas foi negada a possibilidade de escolha de advogados, a presunção de inocência e ainda o direito a um julgamento justo, com audiência pública. Falamos, assim, de julgamentos que não deram espaço para os direitos da defesa. Há fontes que afirmam que foram utilizados métodos de tortura de modo a extorquir confissões a determinados prisioneiros, que serviram como meio de prova.
A forma como a população não é travada pela repressão do governo mostra aquilo que é a resistência popular, exigindo a mesma uma alteração do regime vivido no país. Fazem tremer o chão das ruas enquanto marcham, mostram os seus punhos cerrados levantados ao céu, e desejam o fim do regime opressivo e violento que vivem desde 1979.
Sofia Ferreira
Departamento Sociedade
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