Teatro, do grego theatron, alude a um espaço de observação e apreciação de uma ação ou acontecimento. O teatro existe desde que o mundo existe. É urgente refletir acerca do binómio que assola a arte de representar na sociedade portuguesa: o passado e o presente do teatro em Portugal – estarão os mais jovens a negligenciar o que sempre deu voz às inquietações mundanas?
Além de ser um espaço de recreio e entretenimento, o teatro motiva a problematização do ser individual e coletivamente considerado, podendo ser encarado como um ambiente de intervenção social, assumindo-se como um lugar de pessoas, de encontro e de partilha. Desde os primórdios que a arte de representar é uma arte viva, deixando a descoberto a compreensão da sociedade, motivando a consciencialização do eu, bem como uma reflexão irrepreensível sobre a atualidade. Deste modo, o teatro é um palco de crítica social, económica e política, é um delator exímio dos abusos de poder no mundo, procurando incessantemente desencadear a intervenção do indivíduo, detentor do mais aguçado espírito crítico, na realidade em que se movimenta. Em momentos de pura atenção, as pessoas sintonizam-se numa aura de descoberta e partilha mútuas. Nas palavras mais cruas do ator e encenador António Durães, «[…] o teatro deve ser sempre provocação para se cumprir […]», provocar cada espetador, procurando alcançar a reação: metamorfoseia-se o espetador, passando de um agente inerte e apático face ao que o envolve, para alguém ativo e participante.
A dramaturga e encenadora Marta Freitas refere que «o teatro tem como principal inimigo um mundo cada vez mais rico em banalidades» e, nesse sentido, é inegável a descredibilização, por parte da camada mais jovem, do teatro perante uma realidade voltada para o ecrã de um qualquer dispositivo eletrónico. Numa atmosfera em que a informação e o entretenimento são maioritariamente veiculados pela internet, o afastamento interpessoal é, cada vez mais, algo real e palpável. Todavia, é inegável o contributo dado pela tecnologia aquando da pandemia desencadeada pelo COVID-19, na medida em que se conseguiu levar à casa de cada um de nós um pouco de teatro – note-se a iniciativa de transmitir peças de teatro no YouTube. A verdade é que, atualmente, o que desperta emoções no público são, maioritariamente, interações online, e já não o contacto direto com novos enredos, que colocam a descoberto a faceta crítica individual. Apela-se ao ativismo dos mais jovens no sentido de voltar a incutir o gosto por uma das vertentes artísticas mais relevantes em solo português – há que regar a semente depositada por Gil Vicente – nomeadamente no seio universitário, através da criação de grupos académicos de teatro, de tal modo que se compatibilize o estudo com momentos de recreio.
Refira-se, quanto à FDUP, o grupo académico «Direito à Cena». Este grupo de teatro foi formado no ano letivo de 1999/2000 e teve como principais impulsionadores alunos que partilhavam a paixão pela arte de representar, nomeadamente Alfredo Martins e Patrícia Santos – para além de ser composto por alunos, contava com a participação de alguns professores. Estes alunos procuraram obter financiamento – apoio este que lhes foi concedido, de tal modo que surgiu a oportunidade de fazer uma formação alargada (cerca de 6 meses) com o Balleteatro do Porto, bem como proceder à contratação de um encenador – com o objetivo primordial de edificar um grupo sólido e tecnicamente bem preparado. Findo o ano letivo de 1999/2000 fizeram a primeira apresentação – «O Processo» de Franz Kafka. O «Direito à Cena» fez inúmeras apresentações em várias salas de teatro da cidade, designadamente nas salas do Balleteatro do Porto, no Teatro da Vilarinha, na sala estúdio do Teatro Sá da Bandeira, no Teatro Municipal de Lamego e no Teatro do Campo Alegre. Nos últimos anos de atividade, em que já não tinham acesso a financiamentos externos significativos, fizeram algumas apresentações na FDUP, nomeadamente no Salão Nobre e em anfiteatros. O grupo acabou por deixar de funcionar pela falta de apoio financeiro. Em 2019, tentou reanimar-se o «Direito à Cena», no entanto, com a pandemia, o projeto voltou para a gaveta. Em conversa com Liliana Borges da Costa, antiga aluna da FDUP e participante no grupo de teatro, Liliana descreve a sua experiência no «Direito à Cena» como magnífica, de tudo em que participou, o grupo de teatro é aquilo de que guarda melhores recordações, foi onde fez «amigos que ficaram para a vida, para além da experiência em si». De facto, o «Direito à Cena», enquanto local de partilha, dever-se-ia reerguer, tendo como força motriz os interessados na arte de representar.
Perante a questão «qual a potência do teatro hoje?», numa entrevista ao Jornal de Notícias, em 2017, o encenador e ator Nuno Cardoso assemelha o teatro, na sua faceta interventiva, a um par de sapatos da sociedade: «Aqueles sapatos usados e feios que a civilização tem guardados para todos os dias. […] Estão a um canto, não são os mais chiques da prateleira, mas são os que nos levam para a frente e para trás em dias de frio e chuva. O teatro é o par de sapatos sem o qual não conseguimos caminhar e com o qual caminhamos sem dar conta. […]».
Apela-se ao público em geral, com maior incidência nos jovens, que se vá ao teatro, que se faça uso da voz que todos podemos projetar no sentido da mudança: ir ao teatro é ouvir e ser ouvido, é impulsionar a transformação.
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