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Sugestões Culturais - abril

Atualizado: 8 de abr. de 2021

MO Nu, de botas (António Prata, 2013)


Procuras desesperadamente um bom livro, não muito pesado, pois farto estás dos calhamaços, dos negritos e dos sublinhados? Ah, e precisas mesmo, MESMO, de te perder num lugar distante para apenas…rir? Então, aqui tens a tua pérola no meio do caos.

Em Nu, de botas, é sob um olhar único de criança que António Prata recupera os episódios mais pitorescos da sua infância. Através de um estilo narrativo intimista, que incorpora a doçura do relato brasileiro, somos guiados por um quotidiano de descobertas maravilhadas de coisas simples. Fazendo uso de um humor genuíno, radicado na sua própria experiência de vida, é-nos feito o convite a revivermos, na primeira pessoa e sob uma nova perspetiva, aquilo que era o fascínio insistente por banalidades, o medo do monstro do escuro, o pânico do “xixi nas calças”, o impulso incontrolável de provocar estragos e a necessidade irracional de escapar ao castigo por qualquer via.

Neste conjunto de crónicas magistrais na sua simplicidade, António Prata evoca as memórias que são as de todos nós, relembrando-nos como é belo “o ser criança”. Um perfeito hino à infância, desastrado e delicioso.


Beatriz Castro



Averno (Louise Glück, 2006)


Nascida em 1943 em Nova Iorque, Louise Elisabeth Glück venceu o Prémio Nobel da Literatura em 2020. Poeta e ensaísta, é autora de mais de uma dúzia de livros, que lhe granjearam a reputação de “nome consensual” na poesia contemporânea e lhe valeram os mais cobiçados prémios literários. Até há meses por traduzir - e por conhecer -, a sua obra chegou este ano às livrarias nacionais, em edições bilingues da Relógio D’Água.

Na justificação da escolha, a Academia Sueca sublinhou a “inconfundível voz poética” de Glück, que, “com uma beleza austera, tornou universal a existência individual”. Com efeito, a obra da norte-americana está nesta frase perfeitamente resumida. Se a realidade fáctica dos poemas é, mais das vezes, autobiográfica e pessoal, inserindo-se num contexto “quotidiano e doméstico”, o tom nunca é confessional. Mais, essa realidade (sejam as flores que crescem no jardim, as memórias da infância e da adolescência ou a passagem das estações do ano) é sempre e apenas mero ponto de partida para a poetisa, que dela parte para refletir sobre o sofrimento e sobre a passagem do tempo. Entre uma coisa e outra, a ligação é alcançada através da mitologia clássica. Em Averno, é o mito de Perséfone, filha da deusa Deméter, raptada por Hades e feita senhora do mundo inferior, que percorre todo o livro.

Nesta obra de 2006, a autora escolhe como título o nome do lago que os Romanos acreditavam ser a entrada para o mundo dos mortos. E logo no primeiro – e melhor – poema do livro, October, Glück repetidas vezes transmite a mesma ideia: a cicatriz que se formou por cima da ferida; o Verão que é um bálsamo após a violência; a luz do Outono que lhe anuncia que não será poupada; a morte que não pode ferir mais do que a vida. Tudo significando uma dor que passou e a transformou, um sofrimento tamanho que a deixou morta em vida. Daí a ideia seguinte: a distância entre as pessoas, cada qual sozinha com os seus pensamentos; os quartos vazios e abandonados com as persianas corridas. Um afastamento dos outros e da vida que redunda numa total inversão da realidade: “O esplendor do dia transforma-se/ no esplendor da noite;/ o fogo transforma-se no espelho.” Embora não confiram esperança (palavra “falsa, um expediente para refutar/ a perceção (…)”), curam, ensinam e protegem. Assim, “Do seio do desgosto/ amargo da terra, da sua frieza e esterilidade,// nasce a minha amiga lua:/ está tão bela hoje, mas não o está sempre?


André Torres


Glow (Alice Phoebe Lou, 2021)


O terceiro álbum da artista sul-africana, lançado em Março deste ano, não desilude os fãs do indie peculiar a que nos tem habituado. Desta vez, a mãe Alice adota ainda pop, folk, jazz, punk e psychedelia, que vivem todos juntos neste que o seu mais recente projeto, juntamente com o seu som mais tradicional sempre presente, assim como a sua voz etérea especialmente reconhecível.

A abertura ficou a cargo de “Only When I”, uma cativante retrospeção sobre uma relação passada, feita a um ritmo acertado de uma bateria tímida, acompanhada por uma harpa em cascata; “Glow”, que com o álbum partilha o nome, chega-nos de seguida, carregando o papel de escape upbeat do álbum, sendo facilmente a sua faixa mais leve, falando sobre uma incerta felicidade; “Dusk”, no degrau de bronze, é a mais pura cantiga de amor que vamos encontrar, sempre sem retirar o protagonismo da voz, um piano de bar e discretas madeiras não deixam de se fazer valer ao longo da música; a página é virada em “How to Get Out of Love”, que nada tem da esperança otimista que se vinha proclamando; um hino punk marca o clímax do álbum, em “Dirty Mouth” que desavergonhadamente se move num ritmo rápido e agitado, gritando uma mensagem de auto-valorização; “Lovesick” vem fechar a porta, voltando à passada inicial, leve e quase sussurrada, atando todas as pontas soltas.

Prezando pela justaposição de motes incompativelmente compatíveis, o mais recente projecto de Alice Phoebe Lou, oferece 12 músicas imperfeitas, mas perfeitas no seu conjunto, numa mistura inteligente de ingredientes doces e salgados. Disponível nas plataformas de streaming, à distância de um clique. Do meu Spotify diretamente para todos vós, votos de um bom abril cultural.

Rita Gomes



“The philosophy guy”


The philosophy guy” é um podcast de análise filosófica de peças pop culture. Criado por Brendan Weber, um jovem estadunidense licenciado em filosofia, o podcast disseca alguns dos livros, filmes e séries mais relevantes na cultura ocidental.

Naturalmente, o podcast acaba por funcionar como um bom catálogo de obras consistentes e suculentas em ideias - faço aqui, de modo muito preguiçoso, uma série de recomendações por remissão.

A descoberta dá-se também, e principalmente, em peças já conhecidas, através da transformação do implícito em explícito, da explicação de teorias, conceitos e querelas. É, portanto, um compêndio essencial para qualquer soldado raso da guerra cultural. Só com uma série como “Westworld” explora-se consciência, metafísica, psicologia, epistemologia, ética, livre-arbítrio… e podia estar aqui até ficar sem ramos (a esta particular recomendação indireta faço uma correção: trate-a como uma mini-série e não veja as últimas duas temporadas) .

A lupa da filosofia numa narrativa tem ainda outra vantagem: facilita a sua aplicação nas nossas vidas. Do estoicismo relaxado no clássico “The Big Lebowski”, ao niilismo de “Rick and Morty”, o buffet de modus operandis satisfaz todos os gostos.

O podcast, em suma, une o útil ao agradável: ensina teoria filosófica, aprecia boas produções artísticas e, mais importante ainda, dá qualquer coisa pretensiosa para dizer no tão antecipado regresso às esplanadas.


Rodrigo Saraiva


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