(Duarte Gomes, Francisco Paredes, Mariana Polido, Beatriz Castro)
Caim, de José Saramago
Dezoito anos depois d’O Evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago propõe-se a contar, num tom divertido, mas crítico — tão-só, «saramaguiano» — a história de Caim.
Por matar o irmão, o primeiro filho de Adão e Eva foi condenado a levar uma vida errante. Vagabundo e sem destino, Caim, a mando do autor, revisita anacronicamente algumas passagens do Antigo Testamento.
De forma engenhosa, as Escrituras são narradas de um prisma diferente — moral e eticamente questionável — dos habituais cânones, cuidando Saramago de salvaguardar a possibilidade de uma história poder ser sempre (re)contada conforme se mude a perspetiva.
A verdade é que, e sem prejuízo do seu aberto ateísmo, José Saramago pôs, através dos textos sagrados, o Homem contra Deus e Deus contra o Homem, porque não há bem sem mal.
Francisco Paredes
Baby Reindeer:
Uma minissérie que é um verdadeiro murro no estômago
Em poucos dias, Baby Reindeer, tornou-se um dos maiores sucessos do ano da Netflix, sendo inspirada na história verídica do criador, Richard Gadd.
Baseada na laureada peça que conquistou o Festival Fringe, em Edimburgo, a obra acompanha Donny (Richard Gadd), o nosso protagonista, cuja carreira como comediante se afigura um desastre.
A vida prepara-lhe amarguradas surpresas quando se vê preso na teia de uma relação deturpada com Martha (Jessica Gunning), uma stalker que desperta nele um trauma reprimido.
Ao longo dos sete episódios, faz-se um retrato cru sobre violência sexual e stalking. Um desconforto necessário que traz temas relevantes à grande tela. Uma série que nos prende do início ao fim, que nos comove e atormenta a cada episódio.
Mariana Polido
All of Us Strangers (2023), Andrew Haigh
Adam navega um quotidiano solitário e sem rumo, condenado por um passado longínquo, com o qual ainda não se pacificou. A morte prematura dos pais – quando ainda não tinha doze anos – faz com que, no presente, não consiga evitar encontros imaginários com os mesmos, procurando conforto na ficção daquilo que ficou por dizer ou por viver – como assumir perante a mãe a sua homossexualidade ou exigir do pai mais calor e afeto.
Num quadro um tanto místico e obscuro, salta para a cena Harry, outra alma desamparada, que provoca um twist inesperado na trajetória da narrativa.
Com uma realização de sensibilidade acutilante, All of Us Strangers arrepia-nos do primeiro ao último minuto. Diálogos intensos, interpretações poderosas de todo o elenco – em particular, de Andrew Scott (Adam) e de Paul Mescal (Harry) – e um soundtrack imersivo, compõem uma verdadeira obra-prima, poética e comovente. Sem dúvida, um dos melhores filmes do ano.
Beatriz Castro
Disenchantment, série disponível na Netflix
Para alguém como eu, Disenchantment prometia pouco. Um cartoon fantástico sobre os tempos medievais é uma combinação que, na minha mente, não inspirava confiança nenhuma. Felizmente, fui intimado para a sua visualização – então, lancei-me ao primeiro episódio.
Numa visão alternativa da Europa medieval, a rebelde e alcoólica futura rainha de Dreamland, Bean, trava amizade com o seu demónio pessoal, Luci, e com um ingénuo elfo, de nome Elfo (sim, o elfo chama-se Elfo). Juntos, os três arranjam maneiras de tornar a vida menos aborrecida, festejando, fugindo a casamentos, explorando os reinos vizinhos e descobrindo conspirações mirabolantes.
Do criador de The Simpsons e Futurama, Disenchantment é tido como um “desenho animado de comédia”; no entanto, em certos momentos, peca neste aspeto, mostrando-se previsível e repetitivo – foram, antes, a criatividade, os personagens e o enredo que realmente me tornaram fã.
Duarte Gomes
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