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Foto do escritorDepartamento Cultural

Sugestões Culturais - dezembro

Rebellion(s) (Sylvain Rifflet e Jon Irabagon, 2020)

Pela mão certa de Jim Black chega-nos a bateria deste projecto, acompanhada pelo baixo de Sébastien Boisseau e pelo duo franco-americano de saxofones de Sylvain Rifflet e Jon Irabagon. Gravado em Budapeste, o novo projecto de Sylvain e Jon não deixa ninguém indiferente. Inteligentemente construído e brilhantemente executado, o álbum tem como premissa “rebelião”.

Nenhuma faixa é alheia e nelas surge a rebelião dirigida contra o fascismo, a opressão e o capitalismo. O álbum abre com o discurso de Malraux, que recebe as cinzas de Jean Moulin, nome sonante da resistência francesa, no panthéon parisiense. Sylvain e Jon usam o passo falado dos discursos como passadiço por onde fazem caminhar as linhas melódicas. Especialmente notório em “The Adults in the Room” (facilmente a faixa mais pesada do álbum), que acompanha o desprevenido ouvinte pelo brutal discurso de Emma Gonzalez sobre gun-violence; em “Greta T.”, que homenageia a jovem ativista sueca; mesmo em “Olympe”, que não descuida do contributo de Olympe de Gouges, ativista feminista francesa, e da sua declaração dos direitos da mulher; e nem a voz de Paul Robeson contra a segregação foi esquecida na faixa com quem partilha o nome. Nem todas as faixas são, contudo, acompanhadas de discursos: “Factory Girl” ou “American: daybreak” dispensam palavras, o estilo elegante do diálogo entre Jon e Sylvain compensam a sua falta.

Em palco, esta é uma performace que conta com vídeos, cartoons e staging que tornam todos os discursos, musicais e políticos, ainda mais impactantes. À triste falta de um concerto ao vivo, convido os caros leitores a um stream no Spotify.


Rita Gomes



O Lago dos Cisnes (Matthew Bourne, 1995)

Quem não se lembra do final de Billy Elliot? Da cena em que Billy, já adulto, faz a sua grande entrada em palco ao som de Tchaikovsky, envergando um improvável traje de cisne? Uma cena que invariavelmente deixa algo em suspenso. Mas porquê uma ideia tão inovadora mesmo no fecho do filme, sem chance para desenvolvimentos? – foi o que me perguntei. E como seria um Lago dos Cisnes em que o cisne é efetivamente um ser masculino? Como seria um Lago dos Cisnes sem tutus, nem sabrinas de pontas, em que o cisne é realmente um cisne?

Estas terão sido as questões que suscitaram em Matthew Bourne, coreógrafo londrino e diretor da companhia de dança New Adventures, a necessidade de desconstruir e repensar o clássico. Em 1995, subiria ao palco, pela primeira vez, uma versão moderna e ousada de cenários cinematográficos e movimentos contemporâneos de uma expressividade, criatividade e subtileza contagiantes. O elenco do espetáculo passaria a ser quase integralmente masculino: o corps de ballet é agora um conjunto de seres selvagens, ferozes e impiedosos - a graciosidade continua, surpreendentemente, lá presente.

Uma história de amor, de cumplicidade e confronto, ao som da música genial de Tchaikovsky, que se torna numa verdadeira banda sonora. Uma produção belíssima - dramática, mas recheada de humor - portadora de uma mensagem universal, que não se destina apenas a entusiastas da dança, mas a qualquer público. Um verdadeiro clássico contemporâneo que marca a revolução do papel do homem no mundo da dança. Vi, revi e garanto: valeu sempre a pena. Em versão integral num Youtube perto de si.


Beatriz Castro



Colheita de Inverno (Vítor Aguiar e Silva, 2020)

Embora escrito no anoitecer da vida, o propósito deste livro é, como o próprio autor enuncia, tudo menos soturno: reunindo ensaios coligidos nos últimos anos sobre teoria literária, Camões e literatura portuguesa (o livro está dividido nestas três partes), o já reformado professor catedrático das Universidades de Coimbra e Minho e prémio Camões 2020 escreve contra o “pessimismo cultural, (…) procurando conhecer e explicar as formas e os sentidos que, desde há quase 30 séculos, constituem a literatura – memória do Ocidente e voz insubstituível da liberdade, dos sonhos e das misérias do homem.”.

Com moderação e ponderação, afirma-se, na primeira parte, cético quanto ao sucesso do multiculturalismo desbravado e do nacionalismo xenófobo, defensor da constituição de um cânone literário para a língua portuguesa como um todo e crítico da ruptura com a tradição e com a memória na literatura. Na segunda parte, analisa o episódio alegórico da Ilha dos Amores, a dedicatória de Os Lusíadas no âmbito da hermenêutica do poema e a relação entre a vida de Camões e a sua obra. E debruça-se, na terceira parte, sobre outros reconhecidos autores nacionais, como Jorge Ferreira de Vasconcelos, Ruy Belo e Albano Martins.

Sabendo que, quanto ao homem, muitos de vós terão já formulado o vosso juízo, digo-vos que também eu o fiz – há informação suficiente para tal. Mas, quanto à obra, espero que a não descartem sem a lerem – ela está nas livrarias, à vossa espera.


André Torres


The Boys (Eric Kripke, 2019)


“The Boys” é um projeto audaz e inovador que veio trazer ao género “super-heróis” uma necessária lufada de ar fresco. A série norte-americana, baseada em banda-desenhada de Garth Ennis, apresenta uns EUA de super-heróis, ídolos de miúdos e graúdos, que são monopolicamente geridos e rentabilizados pela empresa “Vought”.

Neste quadro, em que nem tudo é o que parece, a narrativa faz-se impulsionar pela vingança (ou justiça?), trotando uma estrada atribulada, repleta de dilemas morais e medos, através da qual se vão desenhando os arcos e os desenvolvimentos das personagens.

A série inova, em traços gerais, pelo seu cinismo. A relação da natureza humana com o poder é mais verosímil aqui do que em obras homólogas, já que a dicotomia bem/mal não se apresenta como definida e declarada, mas antes como um jogo de bastidores, repleto de hipocrisia, dissimulação e danos colaterais. Tudo isto é adornado por um sentido de humor negro, grotesco e provocador, que trabalha com os fenómenos e problemas sociais mais contemporâneos, fragmentando para vários grupos e posições.

Por fim, é de louvar que a história não se contorce para dar lugar à crítica social, há aqui um equilíbrio que muitos autores não resistem em quebrar quando abordam temas semelhantes.


Rodrigo Saraiva


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