No passado mês de novembro, a atenção mediática voltou a concentrar-se na tensão na fronteira russo-ucraniana, com a movimentação massiva de tropas russas para a fronteira, o que fez soar o sinal de alarme no mundo ocidental para uma possível invasão por parte da Rússia ao território ucraniano. Quais as repercussões deste conflito no jogo político pela hegemonia global?
CRONOLOGIA DOS EVENTOS
Este episódio remonta a 2014, ano em que rebentou um conflito civil na Ucrânia e consequente anexação da Crimeia por parte da Rússia. A cronologia de eventos é fundamental para a perceção do contexto geo-político que materializou as tensões vividas na Ucrânia, e que acima de tudo refletem a colisão entre bloco ocidental e oriental a nível mundial.
1954: anexação da península da Crimeia pela Ucrânia após a cedência amistosa, pelo então líder soviético Nikita Khruschev, desse território russo
Novembro 2013:
- Presidente pró-russo Viktor Yanukovich, abandona acordo de associação com a União Europeia, numa decisão diretamente influenciada pela Rússia.
- Onda de protestos e insurgência popular por parte da população pró-europeia de Kiev.
23-26 Fevereiro 2013: intensificação da instabilidade política na província da Crimeia, com o confronto entre manifestantes separatistas pró-russos e governo, que revogou lei que garantia russo como idioma oficial local.
1 Março 2014: parlamento russo aprova pedido do Presidente Vladimir Putin para usar a força no sentido de proteger interesses do país na Ucrânia e defender os direitos humanos da população russa na Crimeia.
18 Março 2014: Putin assina lei para anexar a Crimeia.
Abril 2014: suspensão de qualquer tipo de cooperação civil e militar da NATO com a Rússia após anexação da Crimeia.
Outubro 2021:
- NATO retirou as credenciais a oito membros da missão da Rússia junto da NATO, acusando-os de pertencerem aos serviços russos de informação.
Rússia suspendeu todas as ligações com a NATO e expulsou essa missão da NATO de Moscovo
7 Dezembro 2021: Joe Biden concerta esforço diplomático com os seus aliados europeus e em videoconferência com o líder russo, Vladimir Putin, ameaça com “sanções sem precedentes” em caso de ataque ao território ucraniano.
CRIMEIA, A MATERIALIZAÇÃO DO CONFRONTO OCIDENTE VS RÚSSIA
Esta península semiautónoma da Ucrânia, localizada no sul do país, revela as relações existentes entre ucranianos e russos desde a extinção da União Soviética. A conjugação de fatores geográficos (base naval de Sebastopol, via de ligação entre o Mar Negro e o Mar de Arzov), económicos (grande produtora de grãos e alimentos industrializados) e sociais (maioria da população é de etnia russa, fala russo e sente-se mais vinculada a Moscovo que a Kiev) tornou a região do interesse da Rússia, na tentativa de exercer a sua influência na Ucrânia.
Deste modo, com o escalar do conflito civil em 2014, a Rússia aproveitou a fragilidade da soberania ucraniana para anexar a península. O decorrer dos acontecimentos indicia um conflito muito para além da Ucrânia: a Rússia, ameaçada pelas progressivas tentativas da Ucrânia de adesão às instituições ocidentais (nomeadamente a UE e a NATO), utiliza a sua força militar para coagir o país vizinho a permanecer sob influência soviética e não ocidental. Por outro lado, os aliados ocidentais acabam por estar numa situação de impotência perante os avanços russos, pela ameaça do seu poderio militar e nuclear.
DE 2014 PARA 2021
Avançando para 2021, a concentração invulgar de tropas observou-se na cidade de Yelnya, uma cidade localizada a 260 quilómetros a norte da fronteira ucraniana, onde, de acordo com avaliação do Ministério da Defesa Ucraniano, há aproximadamente 94 mil soldados russos em unidades do 41º Exército Russo (quase metade das forças armadas francesas).
O contexto geo-político do conflito em 2021 é de uma semelhança alarmante ao conflito em 2014. Se em 2014 o conflito começou pela ameaça de estreitamento de relações entre a Ucrânia e a União Europeia, em 2021 houve uma tentativa de estreitamento de relações entre a Ucrânia e a NATO, a aliança militar ocidental. Em ambos os casos, observou-se uma coação militar por parte da Rússia, que no passado se materializou no território da Crimeia, e neste momento se materializa muito perto de Donbass, outro território fortemente pró-russo.
PREVISÕES PARA O FUTURO
Se há uma ameaça nítida de a tensão escalar para um conflito civil na Ucrânia, relativamente à interferência dos EUA e da Rússia, é pouco provável degenerar em conflito armado entre as duas potências, segundo os analistas internacionais. Após o encontro diplomático entre Joe Biden e Vladimir Putin, o líder estadunidense afirmou que os EUA não tencionavam envolver-se militarmente na Ucrânia, dizendo que é possível “discutir o futuro das preocupações da Rússia relativamente à NATO” e “explorar se podemos ou não negociar um entendimento que permita diminuir a temperatura ao longo da frente leste”. Estamos portanto, perante uma crise diplomática, em que Biden ameaça com sanções se houver ataque russo ao território ucraniano, e Putin contrapõe com a exigência da garantia americana que a Ucrânia não será incluída na NATO.
O principal problema que se enfrentou em 2014, e provavelmente se avizinha num futuro próximo, é que, se não houverem consequências suficientemente fortes de sanção à ação russa, é provável criar-se (novamente) um sentimento de impunidade com a interferência em assuntos de soberania de um outro país, criando-se a convicção de debilidade das democracias ocidentais, e que se poderá espalhar para outros conflitos, nomeadamente o conflito entre a China e Taiwan. É esperar para ver.
コメント