De um modo muito simples, podemos definir crime organizado como um conjunto de atividades ilícitas praticadas por um grupo de pessoas que, organizadas numa rede, procuram a obtenção de lucros. Por vários motivos, houve, desde cedo, uma tendência para inserir este tipo de crime num universo masculino, mas a verdade é que não há dúvidas relativamente à preponderância das mulheres neste mundo. Em comparação com os homens, o modus operandi feminino é mais subtil, sofisticado e menos violento. De certo modo, além de ultrapassarem as barreiras legais, estas protagonistas acabam por transgredir as expectativas sociais que as circundam.
A entrada das mulheres nesta realidade pode dever-se a um elo de ligação com um homem que já se encontra nas amarras deste crime, sendo este geralmente o seu pai, marido, namorado ou irmão. Os papéis e posições que vão assumindo variam de acordo com a organização à qual pertencem. Ainda assim, sua participação é geralmente mais secundária, tornando-se mais aguda quando o homem é preso, está em fuga ou morre.
@ 20 Minuten
Houve alturas em que o crime organizado surgiu associado à imagem da máfia. Atualmente, o TikTok constitui-se como a app mais popular entre os jovens da Gen Z. As trends que vão surgindo nesta plataforma são tantas que, a certa altura, ficamos perdidos a tentar perceber qual é aquela que vai reger a nossa vida num determinado momento. Durante alguns meses imperou a Clean Girl Aesthetic, sendo esta seguida pela Mob Wife Aesthetic, que, no momento, é aquela que influencia os vídeos de quem se deixa influenciar.
A trend em questão, altamente inspirada por grandes obras cinematográficas, foi capaz de nos vender uma imagem altamente sexualizada e sensual das Mob Wives. O visual das mesmas aspira à riqueza, através das vestes luxuosas compostas por casacos com padrões espampanantes e vestidos com decotes predominantes. Aliado ao visual, encontra-se a atitude glamurosa, cativante e ambiciosa, típica de quem é ousado e não tem qualquer tipo de remorsos pelas suas ações. Mas será que esta estética é uma representação fiel da realidade?
@ Heat magazine
Felia Allum, professora de crime organizado e corrupção na Universidade de Bath, num artigo recente que escreveu para o The Conversation, afirma que a realidade vivenciada pelas mulheres que se encontram nas amarras do crime organizado está longe de se deixar representar pela estética aliada à trend supra descrita. A investigadora foi capaz de contactar de perto com uma real Mob Wife e concluiu, através das suas palavras, que no seu mundo não há espaços para grandes luxos e atos de superioridade.
A Signora Anna (nome fictício que a professora lhe atribuiu) mostrou-se até confusa com todo o aparato que envolve a tendência em questão. Logicamente, a extravagância e o exibicionismo são os últimos objetivos que os grupos mafiosos procuram alcançar, exatamente porque o secretismo e a invisibilidade molda a maioria das suas ações e impulsiona a sua manutenção a longo prazo, sendo a forma de vestir pautada por uma certa sobriedade e, até mesmo, algum mistério. Aliado a isto, podemos ainda falar do facto de que muitas mulheres inseridas nestes contextos advém da pobreza, sendo a sua participação nestas organizações um ato de sobrevivência. Isto, aliado ao facto do propósito primordial das mesmas ser a monopolização territorial e os ganhos económicos, torna incoerente a lógica da estética que envolve a mais recente trend do TikTok.
@ The Mob Museum - “Virginia Hill, Griselda Blanco e Sister Ping”
Há uma propensão generalizada para camuflar problemas reais por entremeio de distrações momentâneas. Talvez este seja mais um mero exemplo desta tendência, contribuindo a Mob Wife Aesthetic para a normalização da violência excessiva e da ilegalidade que reveste os ambientes frequentados pelos líderes de diversos grupos mafiosos, servindo isto para a propagação do estereótipo das mulheres neles inseridas.
Lucília Oliveira
Departamento Fazer Pensar
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