€U PO$$O, TU NÃO
- Hugo Novo
- 6 de out.
- 4 min de leitura
Os adeptos são o maior património do desporto e das suas instituições. Tal mensagem é constantemente repetida em diversos anúncios das principais organizações e competições desportivas. Contudo, parece que estas mesmas organizações - compostas por gente indubitavelmente honesta e sem qualquer envolvimento em sucessivos escândalos de justiça - também olham para os adeptos como a maior fonte de criminalidade no desporto, apoiando a manutenção de leis que lhes proíbem tudo e mais alguma coisa, enquanto os responsabilizam por tudo de negativo que se passa no mundo do desporto.
A constante opressão aos amantes do desporto por parte das instâncias políticas e desportivas que o gerem podia ser completamente revoltante, não fosse pela sua ineficácia, evidenciada em algumas medidas defendidas por estes paladinos da etiqueta, por vezes, anedótica. Um bom exemplo disso é a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos recintos desportivos, cujo objetivo é fazer com que os adeptos não as consumam no interior do estádio, de modo a reduzir o risco de desacatos provocados por um eventual aumento da agressividade dos adeptos devido à sua embriaguez. Esta lei, vigente desde 1980 em Portugal, país exemplar nas restrições a adeptos, tem a mesma eficácia do que o combate à corrupção e outras ilegalidades praticadas por muitos que protegem esta lei, desde deputados a dirigentes desportivos. Todavia, como é óbvio, a mesma garante que os excelentíssimos senhores não-pertencentes à plebe têm o direito de beber da boa e da melhor bebida alcoólica possível nos camarotes, visto terem as condições socioeconómicas necessárias para manterem uma postura condizente com a de um adepto civilizado após a ingestão de álcool.
De facto, depois de beber um fino na roulotte mais próxima do recinto desportivo, é engraçado pensar na facilidade com que esta lei seria ultrapassada, como se esta fosse um defesa de uma equipa da Sunday League a marcar o Cristiano Ronaldo. O adepto vai para o jogo depois de ter consumido álcool, e o seu clube sai prejudicado, porque o dinheiro que poderia fazer com a comercialização da bebida em questão vai para o bolso de quem as vende, por vezes, e muito ironicamente, nos locais onde os confrontos entre adeptos são mais comuns: precisamente, nas zonas próximas ao estádio.
A sede proibicionista de quem tanto tenta sufocar a paixão dos que verdadeiramente movem o desporto é de tal forma obsessiva que nos proporciona as maiores estupidezes e irresponsabilidades legislativas, através de ideias que atuam de forma exatamente contrária àquilo que seria o seu propósito, prejudicando praticamente todos os intervenientes de um evento desportivo. Além disso, a postura das instituições ainda se torna mais ridícula pelo carácter contraditório que esta apresenta face às suas próprias premissas. Em Portugal, não é permitido beber álcool nos estádios: apenas é permitido nos lugares a que só uma minoria consegue ter acesso, devido aos preços exorbitantes dos bilhetes; no nosso continente, a muito transparente UEFA diz defender um futebol próximo das causas sociais enquanto pune clubes por alegadas mensagens políticas dos seus adeptos. Como se já não bastasse o facto da meia dúzia de euros investida em tarjas e coreografias ser mais perigosa do que os milhões de euros desviados por esta elite, a mesma organização pune os clubes por uso indevido de pirotecnia, enquanto apelida de fascinantes, nas redes sociais, as festas arrepiantes das massas associativas. Relativamente a este material, mais uma vez, Portugal apresenta a sua exímia rédea curta para quem ousar acrescentar cor à festa na bancada. As penas podem ir até cinco anos de prisão em caso de posse de engenhos pirotécnicos, a mesma pena máxima prevista para quem comete crimes de pedofilia – que orgulho! Claro está que isso não se aplica aos clubes que dispõem de todos os meios necessários para utilizar estes materiais. Nesse caso, o fumo que se espalha pela bancada já não é, alegadamente, nocivo para os espetadores, pois o problema não parece estar na substância, mas sim em quem a usa.
No país onde se discute a brandeza excessiva das penas relativas aos crimes pesados e a eficácia das mesmas, os adeptos portugueses, em comparação com os dos outros países, são tratados como delinquentes da pior espécie. Na Alemanha, por exemplo, a pirotecnia e o álcool nos estádios são tidos como algo pertencente ao jogo. Na Inglaterra, sítio dos temidos hooligans, o álcool voltou a ser permitido nos recintos desportivos no ano passado. Na Noruega, a pirotecnia, embora regulada, é também permitida nos estádios. Aqui, o critério para se decidir se se usufrui da experiência completa de um adepto ou de um recluso é o peso da carteira ou o cargo da pessoa em questão. O que vale é a facilidade com que se entra com este tipo de material nos estádios, já que as forças de segurança à entrada dos recintos fazem uma rigorosíssima revista, tornando mais uma medida de opressão extremamente eficaz.
Como foi dito no início do artigo, os adeptos são o maior património do desporto, todavia esta mensagem tem de deixar de ser um mero clichê para marketing, e tem de ser efetivamente sentida por parte de quem, de facto, lesa muito mais o desporto e o envergonha muito mais do que quem simplesmente quer jogar na bancada com a sua paixão, o seu clube.
Hugo Novo
Departamento Desporto
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