Completa, este mês, um ano desde que recebemos a triste notícia do falecimento de mais uma incrível artista. A 19 de novembro de 2023, as pessoas despediram-se, com um aperto no coração, de Sara Tavares, cujo nome tem sido homenageado tanto pelo público geral como por vários nomes conhecidos, como Catarina Furtado, Dino d’Santiago e MARO. Não resta, assim, qualquer dúvida do carinho que por ela era sentido de um modo geral, e, um ano volvido após a sua morte, faz todo o sentido recordá-la e refletir sobre o seu impacto no mundo da música – e, até mais do que isso, no Mundo E na música.
Sara Tavares foi uma cantora-compositora portuguesa, com ascendência cabo-verdiana. Nasceu a 1 de fevereiro de 1978, em Lisboa, tendo crescido no Pragal, no concelho de Almada. A primeira vez que nos foi apresentado o seu talento foi em 1994, ano em que venceu a 1ª edição do programa Chuva de Estrelas, onde interpretou um tema de Whitney Houston. Logo aí, a cantora destacou-se pela doçura e amplitude da sua voz. No mesmo ano, junta mais uma conquista ao seu nome quando é selecionada para representar Portugal no Festival Eurovisão da Canção com aquele hino que tão bem conhecemos, o tema “Chamar a música”, ficando classificada na 8ª posição.
Ao longo da sua carreira, Sara dedicou-se a construir uma discografia composta por 5 álbuns de estúdio, com alguns singles avulsos e colaborações especiais à mistura. Dois anos após se dar a conhecer ao público com todos estes triunfos, ela lança o seu primeiro álbum de estúdio, uma coleção de músicas gospel em colaboração com o grupo coral Shout!. Porém, os 4 álbuns que lhe seguiram consistiram, todos eles, numa verdadeira carta de amor às suas raízes cabo-verdianas. Foi a partir do seu segundo disco, Mi Ma Bô (1999), que ela começou a trabalhar com compositores e produtores como Lokua Kanza, produzindo ritmos e melodias nitidamente formados com a Terra-Mãe no coração, envolvendo num profundo romance o português e o crioulo.
Após o sucesso de Mi Ma Bô, em 2005, chega a vez do seu fenómeno Balancê dominar. Misturando, neste LP, a música de Cabo Verde com ritmos brasileiros e europeus, a sua carreira internacionaliza-se verdadeiramente. O álbum tem grande sucesso comercial (em Portugal, recebe o certificado de disco-platina!), e é fortemente aclamado pela crítica. Com este trabalho, Sara Tavares é nomeada para Melhor Artista Revelação nos BBC Radio 3 Awards for World Music, e parte em digressões pela Europa, pela América do Norte e até pelo Japão. A faixa-título do álbum chegou mesmo a ser usada como sample pelo rapper J. Cole, em 2009, na sua mixtape The Warm Up (cfr. Losing My Balance). Assim se popularizou a sua imagem: a imagem de uma jovem mulher negra, de longos dreadlocs, com uma guitarra na mão e um grande sorriso esboçado nos lábios.
É em 2009 que nos chega o quarto álbum de estúdio da artista, Xinti, que, essencialmente, segue os passos dos seus projetos anteriores. No entanto, esta era vem acompanhada de uma descoberta amarga. É nesse mesmo ano que a cantora é diagnosticada com um tumor cerebral, com o qual viveu até ao final da sua vida. No entanto, isso não a impede de regressar à sua paixão — a música. Ela retoma, desse modo, a digressão internacional do álbum, álbum esse que lhe rende o Prémio Carreira no Africa Festival, na Alemanha, e o Prémio de Melhor Voz Feminina nos Cabo Verde Music Awards, em 2011.
Posteriormente, em 2017, é lançado o seu último álbum de estúdio, Fitxadu, no qual Sara surge com uma imagem renovada e com uma sonoridade mais moderna, apesar de manter os traços mais caracteristicamente identificadores da sua música. O álbum aprofunda a sua relação com Cabo Verde, contando com a participação de nomes como Toty Sa’Med e Manecas Costa. Fechando o capítulo dos álbuns de estúdio de Sara Tavares, este disco recebe uma nomeação para os Latin Grammys, em 2018.
De facto, nos últimos 29 anos, Sara Tavares foi, verdadeiramente, a representação máxima da excelência da mulher africana, tendo sido adotada por muitos como uma inspiração e um modelo a seguir. O modo como levou a sua vida, a sua relação com Deus e a coragem com que enfrentou uma doença tão grave para continuar a fazer aquilo que sabia fazer melhor traçam nela uma imagem de uma guerreira que nunca endureceu ao ponto de perder a bondade. Ao fim de uma vida de 45 anos, a sua alma poderá descansar em paz sabendo que cá deixou uma obra marcada por composições que exaltam a paz, o amor, a superação e a esperança. Encontramos, na sua música, um Ponto de Luz eterno para qualquer momento em que nos julguemos perdidos. E até me atrevo a dizer que Sara não quereria ser chorada – o seu espírito era demasiado voltado para a alegria e para a liberdade.
André Mota
Departamento Cultural
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