Em memória das histórias que fazem do Natal «o Natal».
“Rockin’ around the Christmas tree/ Let the Christmas spirit ring” (“Rockin’ Around The Christmas Tree”, Brenda Lee, 1958). Chegados a dezembro, seria impossível deixar passar em branco as festividades que se avizinham — e, não, não me refiro à época de exames, cujos apontamentos certamente ficarão sujos (mais uma vez), porque lhes cairá um pedaço de rabanada em cima enquanto se pratica a ilustre proeza de (tentar) lanchar e estudar em simultâneo.
“What a bright time / It’s the right time / To rock the night away” (“Jingle Bell Rock”, Bobby Helms, 1957). É possível que a tradição natalícia se tenha, em certa medida, dissolvido no tempo. Ficamo-nos pela icónica decoração do pinheiro, pelo árduo art attack nos embrulhos de presentes, pelas polémicas batotices nos jogos de tabuleiro, pelos memoráveis filmes (shout out para a saga de Harry Potter) e, enfim, por pouco mais.
Em honra a esta época, trazemos-vos uma única história (ohh!) que pretende reviver o vosso espírito natalício e, com isso, tornar o vosso, o nosso, Natal mais old fashioned e clássico. Ei-la:
A Christmas Carol (Um Cântico de Natal), de Charles Dickens
Uma crítica à sociedade e um apelo ao sentimento do verdadeiro Natal
Amargo, avarento e desumano é o melhor tipo para caracterizar Ebenezer Scrooge, um velho homem de negócios da capitalista sociedade londrina. Na noite da véspera de Natal, é visitado pelo fantasma do seu falecido sócio Jacob Marley, que o alerta para um Destino irreversivelmente fatal.
Nos três dias que se seguem, Scrooge é visitado pelos Espíritos do Natal Passado, do Natal Presente e do Natal Futuro. Com a promessa de um agouro, cada um deles transporta Ebenezer para uma realidade espácio-temporal em que a vida é cruel e fantasmagórica. Ele próprio vê-se em meio a uma realidade em que é espezinhado.
Preterido (e bem) pelos três espíritos, o velho homem promete reconciliar-se consigo mesmo, disposto a mudar por si e para o outro. No dia de Natal, Ebenezer Scrooge estava diferente: tinha visto o quão atroz era aquela vida comandada pela ganância e pela arrogância; “bens” que o condenavam a um fim infeliz, obstinado dos verdadeiros princípios.
Talvez Um Cântico de Natal seja, entre nós, um “conto de fadas”, pois que um Homem não muda, passe o coloquialismo, da noite para o dia. No entanto, não era esse o objeto de Dickens ao escrever e publicar esta obra. Pelo contrário, o autor pretendia retratar, de forma precisa, “com uma força tão desmedida quão provocante ou comovente”, o zeitgeist [1] da sociedade capitalista no Natal: das casas sem lareira, das mesas sem comida, das árvores sem presentes, dos mais pobres sem casaco, das ruas fechadas, do umbigo do Homem rico e farto.
É muito provável que seja mais do que uma mera e simples história de Natal. Fica, no entanto, a reflexão: Charles Dickens deixou-nos um conto secular ou uma alegoria cristã?
“I don’t want a lot for Christmas / There is just one thing I need / I don’t care about the presents underneath the Christmas tree / I just want you for my own” (“All I Want for Christmas Is You”, Mariah Carey, 1994). Um Feliz e Santo Natal!
Francisco Paredes
Departamento Cultural
[1] zeitgeist: da filosofia alemã dos séculos XVIII e XIX, procura explicar, através de um agente invisível, as características-tipo de uma determinada época histórica.
[n.a.] nota do autor: para @s interessad@s, deixamos um acervo de contos natalícios aqui, que podem ser lidos e ouvidos.
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