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Foto do escritorJornal Tribuna

Uma conversa com Manel Cruz: cobertura do evento do CINETEATRA

No passado dia 12 de março, pelas 17:30h, nas instalações da FDUP, teve lugar mais um evento imperdível do CINETEATRA em formato conversa, desta vez, com um nome incontornável da música portuguesa: Manel Cruz. Numa troca de palavras informal, conduzida pela estudante Beatriz Castro, e que contou com a intervenção do público, deu-se a conhecer mais sobre o percurso pessoal e profissional do artista. Se não tiveste a oportunidade de assistir, não te preocupes, aqui fica o essencial do encontro.


Nota biográfica:


Manel Cruz bem que dispensa apresentações. Conhecido sobretudo por ser o Homem da frente dos Ornatos Violeta, conta com mais de duas décadas de carreira e uma vasta legião de fãs. Letrista nato e dono de canções intemporais, é mestre no domínio das palavras e sentimentos que transpõe para as suas músicas.


Tudo começa com os Ornatos Violeta, que ascendem em 1991 e viriam a alcançar um enorme sucesso. Em 1997, lançam o álbum “Cão” e, em 1999, o álbum “O Monstro Precisa de Amigos”. Onze anos mais tarde, em 2002, anunciariam o fim da banda, ainda que, desde então, tenhamos assistido a sucessivos retornos aos palcos. Em 2011, sai o álbum “Inéditos/Raridades”. 


Considerado uma personalidade de culto do rock português, para além de um grande poeta, após o fim dos Ornatos Violeta, logo em 2002, ingressa praticamente de uma vez só em duas bandas diferentes: os Pluto e os SuperNada. Em 2008, lança o projeto de autor “Foge Foge Bandido”, numa faceta mais experimentalista. Em 2019, sai outro álbum a solo, “Vida Nova”, desta vez, maioritariamente composto em ukulele. Este ano, após um hiato criativo, está de volta aos palcos apenas acompanhado por um ukulele, uma guitarra e um baixo acústicos e prepara a chegada de novas canções em nome próprio. 




Pelo que sei, o primeiro contacto com o mundo artístico foi com o desenho, não com a música. Começou a ganhar dinheiro, desde cedo, com as ilustrações que vendia para livros infantis, manuais escolares e jornais, como o “Público”. Como é que surgiu a necessidade de se exprimir de outra forma, artística, que não o desenho? E porquê a música? 


Eu tinha a minha vida traçada para o desenho e, de repente, sem saber, fui para outra coisa. Desde miúdo que desenhava imenso e já sacava algum dinheiro aos amigos dos meus pais quando iam jantar lá a casa. No final do jantar, fazia uma banquinha com desenhos no hall de entrada para quando eles saíssem – como eles me achavam fofo, iam ter de pagar. Eu era assim, um bom homem de negócios [risos]. Como não era propriamente um bom aluno, acabava por me agarrar àquilo em que eu sentia que era melhor. E gostava muito de desenhar. Coletei-me muito cedo, tinha 15 anos quando comecei a trabalhar. Fazia ilustrações para crianças, para jornais...  Fui vender caricaturas para a rua de Santa Catarina, quando tinha para aí uns 12 anos. Ou seja, era certinho que ia seguir aquilo. Tanto que fui para a [escola] Soares dos Reis já um bocado nessa lógica de ir para uma escola de artes. 


Só que, azar dos azares, conheci os meus amigos dos Ornatos (o Kinorm, o Peixe e o Prata – o Elísio já conheci mais tarde), que me desencaminharam [risos]. Porque, no fundo, o desenho é algo um bocadinho solitário e, embora continue a gostar muito de desenhar, a cena da banda é algo que cria logo ali uma sensação de pertença num grupo, numa altura em que isso é importante. Eu não tocava nada, não sabia tocar guitarra, cantava mal e parcamente. Eu nem sequer comecei por cantar, eu era guitarra-ritmo. No fundo, nós andávamos a brincar à música [risos].


Acabei por desistir das Belas Artes [licenciatura] e, gradualmente, quando começo a ganhar dinheiro também com os concertos, comecei a não ter tanta necessidade de fazer trabalho nas artes gráficas e a coisa foi-se substituindo um bocadinho; o desenho passou a ser mais um hobby. Contudo, o desenho marcou imenso a maneira como vejo tudo o resto: a minha maneira de pensar em música é imensamente plástica – a minha forma de comunicar na música foi sempre mais imagética.


Quando surgem os Ornatos Violeta e a exposição pública começa a ser cada vez maior, a liberdade em palco e o à-vontade em público – a performance – sempre foi algo que sentiu como natural ou teve de trabalhar e fazer algum esforço no início? Gostava mais dos ensaios, do estúdio? 


No início, eu lembro-me de adorar a cena de ir para o palco e estar a cantar a olhar para os olhos das pessoas. Como as pessoas não conheciam as letras, eu adorava aquela provocação de estar ali em cima, a dizer aquelas coisas, e sentir que estava a “comunicar na minha língua”. Nessa altura, sentia-me bastante à vontade em palco, até porque não havia uma expectativa, nós ainda não éramos ninguém propriamente. Por isso, não tens grande medo: o pior que te pode acontecer é ficares onde estás, não é? Não podes cair de lado nenhum, porque não estás em lado nenhum.


Na verdade, na altura, a última coisa em que me via era a ter uma profissão relacionada com essa exposição, porque eu estava no meu cantinho e tinha vergonha de falar à frente de muita gente, tinha timidez e tal – mas fui lá ter certinho [risos]. 


Claro que, quando as coisas começam a ganhar algum sucesso, tu começas a ter aquela angústia de: “e agora o que é que eu vou fazer para a frente? Vai ser pior?”. Com o passar do tempo, quando começas a ter muito mais sucesso – ainda que o sucesso seja uma coisa relativa –, começas a ver de fora as pessoas falarem de ti, sem te conhecerem, e estranhas-te a ti próprio. Ainda por cima, numa fase da adolescência, há momentos em que isso é um bocado despersonalizante. E eu tive uma altura assim, nomeadamente no fim dos Ornatos, em que já havia dinheiro, e quando há dinheiro, aparece sempre gente à volta e gente interessada em ti. Isso foi uma altura um bocado estranha, estar em cima de um palco e pensar “o que é que eu estou aqui a fazer”, tipo, “o que é isto?”. Nessa altura, eu gostava muito mais de estar em estúdio, porque estava recatado, estava no laboratório, e pronto, não tinha que me expor.


Com o passar do tempo, foi algo que eu aprendi a gostar e, para além disso, eu nunca imaginei vir a estar sozinho num palco: quando tens uma banda, tens uma equipa, enganas-te numa coisa, olhas para o lado, e ninguém sabe se foste tu ou se fui eu, e está tudo bem. Quando estás sozinho em palco não podes culpar ninguém se algo corre mal [risos].


Enquanto cantautor, como é que é o processo criativo? É muito metódico na rotina de compor? 


Não há muito método. A verdade é que não se tem sempre ideias sobre as coisas, não se tem sempre aquilo que se chama “inspiração”. Mas, com o tempo, as coisas acabam por emergir. Isto é um bocado aquela metáfora do pescador que está ali com a cana a pescar, e vai um dia e não pesca, e vai outro dia e não pesca, e, se calhar, está à espera de encontrar um robalo e encontra uma tainha; e há outros dias em que pensa que só vai apanhar uma tainha e aparece um robalo – é um bocado isto. Antes acontecia-me muito estar a conversar com pessoas e alguém dizia alguma coisa e fazia-se luz; e depois pensava, “e agora? Estou aqui com não sei quantos amigos a jantar em casa, como é que eu faço?”. Às vezes até estava com um caderninho e ia apontando as ideias durante a conversa [risos]


Claro que, com o tempo, também aprendi a dizer “que se lixe o robalo” e a dar valor à família, ao amor e aos amigos. Agora, em férias, não levo nada, nem guitarra, nem caderno – antes não acontecia isso, estava sempre a trabalhar. Muitas vezes, também queremos tanto uma coisa que estamos à frente daquilo que queremos; quando estamos de armas baixas, relaxados, a coisa sai mais facilmente. Por exemplo, aquela música “a minha mulher não é minha…” [O Navio Dela, do álbum Vida Nova], eu estava a ir às compras ao Pingo Doce, nas férias, e comecei a cantarolar a letra e acabei por fazer a música toda sem guitarra – só meses depois é que a musiquei. Portanto, não há propriamente um método.



A mudança para um registo mais intimista, agora com um ukulele em palco, deu-se por alguma razão em particular? Houve uma busca de identidade noutros lugares? 


Eu acho que teve a ver um bocado com a antítese do que foi o trabalho que fiz com o “Foge Foge Bandido”. Nesse projeto, eu gravei tudo em minha casa e os amigos iam para lá e não reparavam que eu estava a gravar o que eles estavam a fazer. Depois juntava uns “tachos” e outros instrumentos em cima, e aquilo tinha “pistas” que nunca mais acabavam. Foi um trabalho de nove anos para editar aquilo tudo, para reduzir ao essencial. Depois, o Vida Nova surgiu numa fase em que tive de acalmar um bocado, com a paternidade, e estar mais em casa. Muito naturalmente, acabas por mudar bastante a maneira como fazes as coisas. A dada altura, sentia falta de fazer mais música e quase não me lembrava como se fazia – tanto que um dia perguntei a um amigo, o músico Rodrigo Amarante, “como é que tu fazes?”, e ele disse “as primeiras vinte e cinco são para o lixo”. Então, eu comecei a fazer músicas para o lixo: todos os dias, tipo função pública, ia para o estúdio fazer uma música, chegava ao fim e deitava fora. Isto, até fazer aquela música de que gostava. 


Depois, pensei, em vez de estar aqui a somar, somar, somar, eu vou pegar num instrumento, uma guitarra, um ukulele, e voltar um bocado às raízes. Numa altura em que a tecnologia também estava a florescer, programas para fazer tudo e mais alguma coisa, eu pensei: “ok, fixe, isso é altamente, mas ao mesmo tempo tem de ser possível fazer isto só com uma guitarrinha”. E foi um bocado esse desafio de “fazer com menos”, ao contrário do que tinha feito no Bandido. E com o tempo, ver o que é que a música pede, se pede um baixo, se pede um trompete. E a verdade é que as coisas pediam pouco, arranjos muito simples e tal. Depois, também começaram a pedir-me para fazer uns concertos sozinho, porque era mais barato para as pessoas – porque a estrutura é mais barata – e, assim, comecei a preparar o concerto mesmo para esse formato.


Qual é a música da sua carreira que mais se orgulha de ter concretizado?


Orgulho-me de várias. Eu não adoro todas as músicas que tenho. A gente faz o melhor que sabe e há coisas de que se orgulha mais do que outras, mas, por exemplo, há uma música que eu adoro dos SuperNada, que é “O Meu Livro”. Eu adoro essa música por toda a conjugação de fatores relacionados com a sua edição. Porque a música em si não é nada: sou capaz de tocar a mesma música hoje e amanhã, e ela hoje bate de uma maneira, amanhã bate de outra. A música, em si, é uma matéria para ser interpretada





(Público) E tem alguma música de que não goste?


Nós vamos fazendo as pazes com as coisas. E não há nenhuma assim que eu não goste, que me custe ouvir. Mas durante muito tempo, houve músicas que me fazia impressão ouvir, por exemplo, o “Tempo de Nascer”, dos Ornatos Violeta, é uma música de que eu gosto, mas detestei o take e a forma como a cantava – portanto, no fundo, detesto a música [risos]. Também me aconteceu o mesmo com o “Ouvi Dizer” no início, mas já menos. 


(Público) Já fez parte de vários grupos musicais de vários géneros. Alguma vez sentiu que a sua carreira estava acorrentada pela fama dos Ornatos Violeta? 


Acho que sempre, um bocadinho. Porque era um bocado de dizer assim... as pessoas vão sempre dizer que Ornatos é mais fixe. Mas ao mesmo tempo, estou livre: a expectativa vai cair logo, porque os Ornatos vão ser sempre mais fixes. Portanto, posso fazer mesmo o que me apetece. E isso, por um lado, é libertador. Porque não há competição possível. Não pela questão da qualidade, que é relativa, mas pela questão do impacto que aquilo teve no mercado. Tanto é que muita gente conhece Ornatos e, se calhar, se falarem “Manel Cruz”, não vão saber quem é. Mas isso acontece com um milhão de bandas. Eu comecei sempre a ver a coisa pelo lado contrário, pelo facto de já não ter expectativa em cima de mim. Se fizéssemos um próximo disco dos Ornatos, aí sim, ia haver essa expectativa. Assim, é tipo “já sabemos que vais fazer pior” – e depois podes surpreendê-los


As referências musicais, naturalmente, foram evoluindo desde os Ornatos até agora. Quais eram as suas principais referências musicais antes? E agora quais são? 


Na altura, nós [membros dos Ornatos Violeta], enquanto banda, ouvíamos muita coisa. Éramos malucos pelos Violent Femmes e ouvíamos muito Faith No More. Também houve uma fase em que ouvíamos muito Joe Jackson – foi a nossa fase ska, ainda antes do Cão [álbum], mas também passou para esse álbum. Nós éramos muito “esponjas”: ouvíamos um disco, uma coisa qualquer, e já fazíamos duas ou três músicas daquele género. A nossa identidade era imensa incoerência – mas a nossa coerência era essa. Eu gostava imenso de Tom Waits, naquela estética da gravação e do som, e transportei um bocadinho disso para o Bandido. Houve uma altura em que também andei a ouvir muito Lana Del Rey


Mas eu agora não consigo pensar em termos de influências musicais, porque também já não ouço muita música; a maior parte do tempo em que poderia estar a ouvir música, apetece-me silêncio. Porque é muito barulho durante o dia todo, as bandas, os ensaios, saio de lá com os ouvidos a zumbir. Estás sempre a trabalhar com o som, quando paras, apetece-te silêncio. Depois, tenho os meus putos todos a ouvir hip-hop, então, não preciso de pôr música em casa – acabo por ouvir mais hip-hop que outra coisa [risos]


Na verdade, nunca fui de ouvir muita música, fui mais de fazer. E as influências musicais agora, se calhar, já não são tão presentes, porque também acho que já não vibro da mesma maneira com a música. Sou capaz de vibrar muito com uma coisa específica, mas já não vibro como quando tinha 15 anos ou 20 anos. 


(Público) Sempre quis seguir uma carreira nas artes? Alguma vez sentiu uma certa insegurança em relação ao seu percurso? Há ainda muita gente que olha de lado  profissões ligadas às artes, que diz que se tem de arranjar um “trabalho a sério”, mais seguro. Sinto que há muito esse estigma. Alguma vez sentiu isso?


Sim, sim, sempre. Não sempre no sentido de “a todo o momento”, mas ciclicamente isso sempre me acompanhou, essa insegurança. Acho que essa insegurança acompanha, se calhar, todas as profissões, mas em pontos diferentes. Há profissões que são vistas pela nossa sociedade como mais importantes. Se alguém decide tirar o curso de Medicina, pode até nem gostar daquilo e ter seguido apenas porque os pais queriam, mas a verdade é que há uma parte da validação que está garantida – que é entre os teus pais, entre as pessoas que estão ao redor. Trata-se de uma profissão que não precisas de provar a ninguém que é importante, não é? O Direito, a Medicina, etc. São tudo profissões que ninguém duvida que são necessárias. Claro que, depois, a insegurança tem mais a ver com a tua auto-imagem, se tu achas que és bom naquilo, que tens potencial; todos nós passamos por isso, em relação à família, em relação aos nossos pares. 


No caso da arte, ninguém sabe o mal que vai fazer não ter arte porque as pessoas têm-na sempre e não é mensurável. Ou seja, se alguém precisa de insulina e não puser a insulina, passa mal, não é? Mas se alguém não ouve música e anda deprimido, ninguém vai dizer “é porque andas a ouvir pouca música”; se alguém ficar doente, ninguém vai pensar que o facto de não ouvir música é psicossomático. 


Eu  achei uma pena, no confinamento, os músicos começarem a dar música às pessoas de borla. Por um lado, eu percebi, achei generoso, por outro lado, achei mal, porque era a oportunidade que a gente tinha de explicar às pessoas a importância da nossa profissão. E, de repente, os músicos, com a sua “culpazinha” cristã e a sua auto-minimização, ficaram todos contentes por estarem a dar música às pessoas e por serem muito importantes naquela altura. E depois dizia-se “os médicos estão na linha da frente” e, sim, é verdade, mas olha, eles também têm sorte de estar a trabalhar – ao contrário dos músicos. Ao terem música de graça, as pessoas não puderam perceber a falta que essas coisas iam fazer. E tinha sido uma grande oportunidade para isso.


A música e as artes têm um papel importantíssimo, designadamente – e isso está estudado por cientistas –, na infância. Muitas doenças psicológicas que existem poderiam ser muito amenizadas, e algumas até curadas, se a música cumprisse o seu papel, se a arte cumprisse o seu papel, a meu ver, principal na sociedade, que é um papel de manutenção individual, de toda a gente. As coisas têm uma funcionalidade na sociedade, antes de serem profissionalizantes, e isso é o mais importante que há – e não se dá essa importância às artes nas escolas


Todos nós temos a responsabilidade de ser criativos na nossa vida: nas relações, no nosso trabalho, com os nossos amigos. A criatividade não é só fazer canções, a criatividade é saber criar novas ideias, novas visões sobre um determinado assunto, sabermos, de alguma maneira, ver as coisas de outros prismas. Acho que é por não vermos isso que muitas das vezes desvalorizamos estas profissões. Achamos que  só têm a ver com o lazer, e não são assim tão importantes. Mas elas mudam vidas



(Público) Acha que o português confere alguma complexidade ao seu vocabulário, para explorar uma ideia, um sentimento, diferente do inglês, ou não há diferença? 


Eu lembro-me que na altura em que a gente [os Ornatos Violeta] começou a dar concertos, cantar em português era um bocado mal visto. Não era como agora, que há muitas músicas em português, no hip-hop, por exemplo – mesmo no hip-hop era uma cena muito residual. Havia vergonha em dizer tipo “eu amo-te”, era algo constrangedor. Porque parece que há uma separação dos teus próprios sentimentos e da tua exposição quando tu dizes uma coisa em inglês, que não existe quando a dizes em português; parece que em português estás a expor mais. Havia um certo pudor, uma certa vergonha da língua e dos sentimentos.


Acho que há muita diferença. Se tu pegares numa ferramenta diferente, não vais ter o mesmo resultado. Isso pode parecer uma limitação, mas pode ser uma mais-valia.   Dizia-se muitas vezes que o português era uma língua demasiado angulosa e que não possibilitava o mesmo resultado que cantar em inglês – obrigava-te a uma adaptação, mesmo no encaixe melódico das sílabas. Mas essa adaptação obriga-te a ser diferente, mesmo que não queiras, vais ser diferente, e isso é fixe. Ou seja, na altura nós estávamos a descobrir um “bicho novo”, e tentámos domesticar esse bicho de uma determinada maneira.


(Público) Como é que nasceu o nome “Ornatos Violeta”? 


Estávamos [os membros dos Ornatos Violeta] na [escola] Soares dos Reis e tínhamos de dar um nome à banda. Fomos para casa pensar, uns nomes horríveis, tipo “Neandertal” e coisas assim…[risos] e o Kinorm, lembro-me de estarmos em frente ao PBX, diz, “opá, estive a ver no dicionário, e juntei duas palavras: Ornatos e Violeta”. “Ornatos Violeta” agora já é familiar, mas quando ele disse aquilo começámos a rir e a gozar – porque, naquela altura, com 16 anos, gozar uns com os outros era o nosso passatempo preferido [risos]. O nome também tinha uma sonoridade que tinha qualquer coisa a ver com Velvet Underground, que era uma banda que a gente curtia bué. Acabou por ficar.


(Público) Em tantos anos de estrada, qual o momento que recorda e que, até hoje, “parte o côco a rir”? E qual o concerto da sua vida mais emblemático? 


De partir a rir, temos muitas histórias. Claro que depois aqui entra a cena da private joke, muitas das vezes, e também “o ter estado lá”. Mas lembro-me, sei lá, de quando andava na estrada com os Ornatos, estava um calor tremendo e estávamos todos de cuecas dentro do carro; eles param o carro para mijar, e eu, distraído, não me apercebo que eles arrancam sem mim. Já via o carro ao longe e tive que andar pelo meio da autoestrada de cuecas, a correr atrás deles, com os carros a passar e as pessoas a olharem para mim.  Na altura, fiquei super irritado, mas depois pensei “quem me dera estar no carro a ver” [risos]. 

Quanto aos concertos, tive alguns que, por sensações, situações ou pormenores diferentes, gostei imenso. Lembro-me do concerto dos Ornatos no Pópulo, em Braga, porque estávamos a tocar num barzinho, mesmo pertinho das pessoas, e estava muito calor, nós a pingar. Estávamos a lançar o “Cão” e lembro-me dessa sensação, não é nada especial, mas ficou-me esse concerto por causa da sensação de suor e as luzes em cima de nós – tanto que eu fiquei sempre com essa coisa dos bares, por causa disso, eu adorava a cena dos bares, porque era uma cena muito visceral.

Também me lembro, por exemplo, de estar no Paredes de Coura, com o “Foge Foge Bandido”, a tocar à tarde, e estava aquele anfiteatro natural completamente vazio, e nós começámos a tocar, e as pessoas começaram a aproximar-se. Foi super bonito, porque nós literalmente chamámos as pessoas com a música… essa imagem desse concerto também me ficou por causa disso. 

Claro que o concerto de regresso dos Ornatos, no Paredes de Coura, também me ficou, porque estávamos bem nervosos, há muitos anos que não tocávamos juntos, e foi super mágico – eu não dormi nessa noite, fiz direta, não consegui dormir mesmo. Estava com um nervosismo tal, mas depois, quando comecei a tocar, passou-me logo esse nervosismo, porque o público começou a cantar as músicas e, pronto, eu pensei “está entregue”.  

Ou seja, não te consigo eleger apenas um, mas tem sempre a ver com o público





Este verão, o Marés Vivas fecha em chave de ouro, a 21 de julho, onde poderás vibrar ao som de Ornatos Violeta, num concerto especial que celebra o 25.º aniversário do álbum “O Monstro Precisa de Amigos”, que inclui alguns dos temas mais icónicos da banda, como “Chaga”, “Ouvi Dizer” e “Capitão Romance”. 




Mariana Polido

Departamento Cultural

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