Na passada quarta-feira, a maioria dos Estados-Membros (EM) da União Europeia (UE) votaram a favor da diminuição do estatuto de proteção do lobo, passando de “estritamente protegido” para “protegido”, pressionados pelos lobbies dos agricultores e caçadores.
Esta resolução foi apresentada por Ursula von der Leyen, que afirma que o aumento da população de lobos em mais de 25% nos últimos dez anos levou à concentração de matilhas em algumas regiões europeias, traduzindo-se num grande perigo para o gado. Esta proposta procurava, assim, dar resposta às queixas das comunidades rurais, que representam uma grande parte dos eleitores do Partido Popular Europeu. Para além disso, Von der Leyen foi também acusada de ter deixado a sua decisão política ser afetada por motivos pessoais: em 2022, um lobo entrou na quinta da família e matou o seu pónei, Dolly.
Imagem 1: Ursula von der Leyen e o seu pónei, Dolly. Retirado de https://s2.abcstatics.com/abc/www/multi media/sociedad/2022/09/14/vonderleyen-RjjyHtWbYfNoNHpdvwLmd0L-1240x768@abc.jpg (2022)
Esta medida representa uma reviravolta política - em novembro de 2022, a UE rejeitou a tentativa da Suíça de diminuir o estatuto de proteção do lobo, argumentando que, com base nos dados mais recentes, o lobo não tinha alcançado um estado de conservação favorável na maioria dos EM. [1]
Por oposição aos argumentos levantados pela presidente da Comissão Europeia (CE), verifica-se que somente 65.000 animais são mortos anualmente devido a ataques de lobos, sobretudo ovelhas e cabras (73%), totalizando apenas 0,06% do gado total da UE; acrescenta-se, ainda, a não existência de dados na Europa de ataques a seres humanos atribuíveis a lobos nos últimos 40 anos. [2]
Além disso, uma análise aprofundada da própria CE concluiu que não existem provas científicas de que o abate de lobos reduza, efetivamente, os ataques a outros animais. Bem pelo contrário, sendo os lobos dos poucos predadores de javalis, ajudam a controlar os ataques provocados por estes.
Sabien Leemans, funcionário do European Policy Office da World Wide Fund for Nature afirma que “Há apenas um ano, a Presidente von der Leyen declarou apoio ao acordo histórico para orientar a ação global sobre a natureza até 2030, juntamente com o resto da comunidade internacional. [Esta proposta] põe em causa estes compromissos internacionais, sabota o papel da UE como parceiro confiável e líder nos fóruns internacionais e questiona a autenticidade dos seus esforços para alcançar os objetivos globais de biodiversidade” [3]
A bióloga Marta Cálix explica que, tanto na Convenção de Berna como na Diretiva Habitats, as espécies têm de chegar a um estatuto de conservação favorável para que o seu estatuto de proteção possa ser revisto, mas afirma que o lobo ainda se encontra em perigo de extinção em muitos países. Ora, a eventual alteração destas bases legislativas tornará mais fácil “aprovar derrogações para haver controlo legal do lobo, uma flexibilidade para poder matar mais lobos que, neste momento, não existem”.
Acresce que “falta uma atitude pró-ativa de preparar a chegada deste animal a zonas onde a espécie está a expandir-se” e que “as soluções existem, mas não estão a ser adotadas a nível político” – tanto que alguns dos EM que mais influência tiveram nesta tomada de decisão, nomeadamente, a Alemanha, Bélgica e Países Baixos, não são dos países com mais lobos, mas são sim dos países onde não houve medidas de prevenção de prejuízos. [4]
Posição portuguesa na votação
O lobo-ibérico (Canis lupus signatus), a subespécie existente na Península Ibérica, possui em Portugal o Estatuto de “Em Perigo” (Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal [5]), estando ao abrigo de legislação nacional específica, nomeadamente a Lei n.º 90/88 e o DL n.º 54/2016 – que lhe confere o Estatuto de Espécie Protegida; a nível europeu, é salvaguardada pela Diretiva Habitats. Há, em Portugal, duas subpopulações: uma a Norte do rio Douro – a maior – que abrange cerca de 50 alcateias em comunidade com a grande população espanhola, e outra a Sul do Douro, mais fragmentada, que abrange apenas 10 alcateias. [6] Estima-se que o efetivo populacional em Portugal varie entre os 200 e 400 indivíduos, representando cerca de 15% da população ibérica [7].
Imagem 2: Lobo-ibérico e cria. Retirado de https://cdn.visitportugal.com/sites/default/files/styles/encontre_ detalhe_poi_destaque/public/mediateca/Lobos_SaraLoureiro_660x371.jpg?itok=90HCo4kI
Na sequência da resolução europeia, o então ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, juntamente com outros 12 ministros do Ambiente europeus, enviaram uma carta a Virginijus Sinkevicius, o Comissário europeu para o Ambiente, os Oceanos e as Pescas, vincando a sua posição contrária à alteração do estatuto.
Até há poucas semanas, também a atual ministra do Ambiente e da Energia, Maria da Graça Carvalho, apoiou a decisão. Mas mais recentemente, o Governo, na sequência de um “pedido de solidariedade dos outros Estados-membros que têm tido problemas” alterou o sentido da sua votação.
Surgiram fortes críticas a esta decisão, não só pela matéria em causa, mas pela possibilidade desta mudança ser motivada por interesses económicos: vários investigadores confirmaram que a exploração de lítio em Montalegre iria pôr em causa a sobrevivência do lobo nesta região. A Mina do Romano, com uma extensão de cerca de 30 hectares, sobrepõe-se a 20% do território da alcateia do Leiranco, uma das mais estáveis e não pertencente às áreas protegidas na região central de Trás-os-Montes, o que implica a destruição do seu local de reprodução dos últimos 30 anos. [8]
Contudo, nos últimos dias, a ministra garantiu que, apesar da votação a favor da proposta, as medidas aprovadas não se aplicarão no território nacional e que em Portugal não haverá qualquer redução do estatuto desta espécie, ao abrigo da salvaguarda da proteção legislativa nacional.
Devemos congratular-nos com a posição final do Governo português? Embora tenha demonstrado preocupação com a conservação nacional da espécie, é deveras criticável que a posição comunitária do nosso país num assunto tão importante tenha sido tomada numa “onda de solidariedade”. Espera-se que pelo menos a decisão interna de não alteração do estatuto se mantenha, e que esta não seja uma decisão “de lobo vestida com pele de cordeiro”.
Maria Duarte Chagas
Departamento Sociedade
[3]https://www.wwf.eu/?12569916/Von-der-Leyen-sacrifices-conservation-successes-for-own-political gain#:~:text=%E2%80%9CThe%20proposal%20sabotages,commitments%20into%20question.%E2%80%9D
[7] (Pimenta et al. 2005, Censo Nacional de Lobo 2019/2021 in prep.)
Comments