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Foto do escritorDiogo Lamego, Bernardo Pinho

Uma reflexão necessária sobre o conflito israelo-palestino


No passado dia 7 de outubro, Israel foi surpreendido por uma contraofensiva de um grupo nacionalista palestiniano: o “Hamas”. Com isto, relembra-se o conflito que dura há décadas e discute-se sobre quem é a vítima e o agressor.


Antes de mais, será necessário realizar uma breve contextualização histórica do conflito que, naturalmente, conferirá ao leitor os conhecimentos fundamentais para realizar uma justa análise sobre a matéria.


A história deste conflito inicia-se no pós-Primeira Guerra Mundial. O território da Palestina foi entregue ao Reino Unido, recebendo essa medida o aval da Sociedade das Nações, a antecessora da atual Organização das Nações Unidas (doravante, ONU). A entrega deste território ao Reino Unido vinha acompanhada de uma missão - estabelecer um lar pacífico para o povo judeu, sem que isso prejudicasse os direitos civis do povo árabe residente naquele território.


O mandato britânico da Palestina não foi muito popular, pois nem foi aceite pelos sionistas [1] nem pelos árabes. Toda esta situação agravou-se com a ascensão e a consolidação do III Reich, que perseguiu a população judia e que provocou um considerável fluxo migratório para o domínio colonial britânico. Quando se referiu que existiu um agravamento claro da situação, não era para ser considerado efemeramente, uma vez que há relatos históricos da existência de revoltas, assassinatos de políticos britânicos, entre muitos outros atos particularmente danosos.


Os britânicos, depois de anos sem conseguirem concretizar o seu mandato, entregaram esta situação nas mãos da recém-criada ONU [2] que, em 1947, propôs dividir a Palestina em dois Estados: um judeu e o outro árabe, tal como se poderá verificar na imagem seguidamente apresentada.


Imagem 1: “Plano da ONU de Partilha da Palestina de 1947”

@BBC


Será necessário referir que a liderança árabe rejeitou o acordo apresentado, por razões que, evidentemente, são atendíveis à luz da racionalidade. Imagine-se um povo que vive pacificamente no seu território e, de um dia para o outro, é obrigado a sair das suas terras por imposição de potências coloniais estrangeiras. Muitos advogam que Israel tinha um direito histórico ao território em questão; contudo, o passado mostra-nos que os palestinianos nutrem de raízes culturais que emergem do tempo da Grande Síria. Deste modo, o fator histórico serve, de igual forma, para ambos.


Apesar da oposição palestina, a liderança judaica não demorou a declarar o Estado Sionista e, deste modo, no dia 14 de maio de 1948, declararam a criação de Israel.


No dia seguinte, Israel foi invadido por um conjunto de Estados árabes, o que marcou o início da Guerra de Independência de Israel. O conflito terminou em 1949, criando as fronteiras de Israel com o Egito (Faixa de Gaza) e entre Israel e a Jordânia (Cisjordânia).


Anos mais tarde, no ano de 1967, Israel decide iniciar uma dita operação militar defensiva que, como será posteriormente explicado, tinha apenas uma única função - expandir o ideário de Grande Israel.


O Egito, em maio de 1967, decidiu empregar uma série de ações com o objetivo de obrigar a ONU a retirar as suas forças de segurança do seu território. Para tal, o Estado egípcio decidiu realizar movimentos de tropas, bem como bloquear o famoso Estreito de Tiran, que se situa entre a Arábia Saudita e o Egito. Tais ações resultaram de uma clara ação armamentista dos Estados Unidos da América (EUA) no Médio Oriente, que decidiram enviar apoio militar para Israel. O Presidente egípcio, Abdel Nasser, sabia perfeitamente que o fortalecimento de Israel significaria um aumento da escala das tensões, que levaria a uma nova guerra por procuração no Médio Oriente - o Egito apoiado pelos soviéticos e Israel pelo ocidente.


O Estado Sionista interpretou as ações egípcias como uma mobilização de ataque, decidindo empreender ações militares contra o Egito e a Jordânia. Esta guerra, eficazmente vencida por Israel, resultou na ocupação de diversos territórios que pertenciam ao povo palestiniano, como por exemplo a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, as Colinas de Golan e Jerusalém Oriental, território este que deveria permanecer como uma “cidade internacional”.


Ora, a análise desta guerra reside no facto de que foi artificialmente criada pela cúpula de poder israelita, que nunca se sentiu verdadeiramente ameaçada. O então primeiro-ministro israelita Levi Eshkol afirmou: “A existência do Estado israelita estava por um fio”. Não obstante, o general Matituahu Peled, chefe do comando logística da guerra e membro do Estado-Maior, afirmou: “A tese segundo a qual o perigo de genocídio pairava sobre nós em Junho de 1967, e segundo a qual Israel lutava pela sua própria sobrevivência física, nada mais era do que um bluff que nasceu e foi criado depois de a guerra”. Mais se acrescenta que Mordechai Bentov, membro do governo durante a guerra, declarou o seguinte: “Toda esta história sobre a ameaça de extermínio foi totalmente inventada e depois elaborada, a posteriori, para justificar a anexação de novos territórios árabes”. Poderíamos, para concluir as citações que enterram as mentiras sionistas, acrescentar a opinião de Menachem Begin, ex-primeiro-ministro israelita, “em Junho de 1967 tivemos uma escolha. As concentrações do exército egípcio nas proximidades do Sinai não provaram que Nasser estava realmente prestes a atacar-nos. Devemos ser honestos connosco mesmos. Decidimos atacá-lo”.


Este conflito bélico resultou num fluxo migratório de palestinianos que não desejavam terem de se submeter à autoridade sionista, originando uma crise de refugiados. Pouco tempo depois, e na esperança de resolver o problema, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou, por unanimidade, a Resolução 242 que determinava a retirada de Israel dos territórios ocupados.


O contexto bélico não termina por aqui. Mais tarde, foi criado um braço paramilitar palestiniano, a “Organização de Libertação da Palestina” (OLP) que foi responsável por lançar uma série de ataques contra as infraestruturas israelenses.


Em 1973, inicia-se a Guerra do Yom Kippur. Deste conflito, salienta-se a entrega da Península do Sinai ao Egito (1977-79), que é acompanhada por um ato de paz entre os dois povos em questão. Israel, de igual forma, abordou a questão de conferir autonomia e definir fronteiras com os palestinianos (Plano Linha Verde), que nunca chegou a ser cumprido. Depois desta promessa, Israel inicia ações militares no Líbano para eliminar células da OLP e aumentar a ostracização dos palestinianos, promovendo disputas comuns entre eles. Os palestinianos unem-se e promovem a conhecida “Guerra das Pedras”, em 1987, que ficou marcada pelo atirar de pedras, pelas mãos dos palestinianos, às tropas israelitas.


Nos anos 90, é assinado o Acordo de Paz de Oslo, onde se reconhece a existência da Autoridade Palestina, com o objetivo de haver o reconhecimento mútuo dos dois Estados e para parar a onda terrorista vivida. Devido ao Massacre do Túmulo dos Patriarcas, perpetrado pela extrema-direita sionista contra civis palestinianos, o acordo ficou esquecido.


Após este período conturbado, surge Barat, recém-nomeado primeiro-ministro de Israel, que deseja elaborar um acordo de paz com a Palestina. Contudo, tal acordo foi reconhecido como ilusório ou fictício pelos Palestinianos, uma vez que retiraria das suas mãos as regiões mais férteis e concedia, a Israel, o controlo de bens básicos, como a água. A este falhanço, sucedeu-se uma Segunda Intifada [3], no ano de 2000.


Ariel Sharon chegou à liderança, em 2001, do governo israelita, promovendo um plano de retirada unilateral da Faixa de Gaza, como forma de solucionar o conflito. Por terem retomado a soberania de Gaza e não da Cisjordânia, os Palestinos entram em conflito interno, acabando por levar à ascensão do Hamas, um movimento antisionista que iniciou ataques a Israel, não tardando este último a responder.


Mais tarde, em 2010, Barack Obama tentou solucionar o problema. Contudo, as hostilidades e as reivindicações de ambos eram incompatíveis, o que resultou num impasse.


Vários anos volvidos, em 2021, salienta-se a Crise Israelo-Palestina de 2021, que se deu entre os dias 6 a 21 de maio, constando-se ataques realizados, principalmente, pelo Hamas. No ano seguinte, Israel bombardeia a Faixa de Gaza (Operação Amanhecer), alegando ser um ataque preventivo contra a Jihad islâmica.


Com isto, chega-se ao presente. Um presente em que nada mudou. O conflito mantém-se, assim como as vítimas mortais que, a cada ano, contam-se na ordem dos milhares. Agora, analisar-se-á os acontecimentos recentes, bem como, de uma forma justa e correta, comparar-se-á a reação a este conflito com outros.


A situação atual gira em torno do ataque surpresa do Hamas de 7 de outubro, onde cinco mil foguetes foram lançados para vários alvos em Israel. Estes foram acompanhados de incursões armadas que perfurarem a cerca em volta da Faixa de Gaza, com pequenos grupos de soldados do Hamas, a pé, em motorizadas e até pelo ar “em planadores” a causarem a confusão e o terror, conseguindo capturar algumas bases israelitas, aldeias, material militar e constituindo reféns. Já foram partilhadas imagens especialmente notáveis do evento, com as de um grupo de palestinianos a celebrar em cima de um tanque israelita capturado, grupos de soldados israelitas a serem arrastados e agredidos numa rua cheia de palestinianos e ainda um vídeo de vários espectadores estrangeiros a fugirem a pé de um festival numa zona rural desértica junto à faixa de Gaza.


Imagem 2 :Grupo de palestinianos a celebrar em cima de um tanque israelita capturado”

@Aljazeera


Esta iniciativa do Hamas foi realmente surpreendente, de várias formas. Por um lado, a denominada “Cúpula de Ferro” israelita, sofisticado sistema anti-míssil considerado o expoente máximo dos sistemas do tipo (veja-se o Presidente Zelensky, em março de 2022, a pedir a Netanyahu que o sistema seja partilhado: “Todos sabem que os vossos sistemas de defesa antimísseis são os melhores… e que podem definitivamente ajudar o nosso povo, salvar as vidas dos ucranianos, dos judeus ucranianos.”), mostrou-se silenciosamente ineficaz no dia 7. Tal talvez se tenha dado não só por impreparação, ou pelo tipo de mísseis atacantes, mas por saturação do sistema: ao disparar 5000 mísseis, o Hamas utilizou uma estratégia semelhante à da Federação Russa na Ucrânia, que utiliza grandes enxames de mísseis de baixo custo, em boa parte de origem iraniana, para sobrecarregar as defesas aéreas montadas. Sobre a relação entre o Irão e os ataques do Hamas, nomeadamente de fornecimentos dos rockets utilizados, o representante do Irão nas Nações Unidas afirmou perentoriamente que “as decisões tomadas pela resistência palestina são ferozmente autónomas e inabalavelmente alinhadas com os interesses legítimos do povo palestino”. A Casa Branca afirma também não encontrar nenhuma ligação direta entre Teerão e os ataques recentes.


Para além disso, há a impreparação em si da defesa israelita. A principal causa para tal foi o inexplicável falhanço, da também muitíssimo bem considerada Mossad, o serviço de informações israelita. É difícil de perceber como a sua extensa rede de informadores, que naturalmente se estende aos territórios palestinianos, não detetou qualquer sinal da preparação que os ataques efetuados indispensavelmente exigiriam.


A ação do Hamas foi contida em poucos dias; depressa se viram forçados a retirar para a Faixa de Gaza, mal o exército israelita conseguiu estabelecer algum nível de organização. O Hamas, em termos militares, não tem qualquer capacidade de manter uma real e duradoura ocupação das aldeias e bases que capturou. A sua intenção era multifacetada: por um lado, semear o terror na população que considera “ocupante” e desacreditar a sua confiança no incrivelmente equipado exército israelita, e por outro lado, levar reféns, para fazer perdurar o sentimento de insegurança e terror, auxiliar a defesa em termos de “escudos humanos” e ainda proporcionar meios para uma futura negociação como moeda de troca. É o estilo de guerra assimétrico de guerrilha, como não podia ser de outra forma, tendo em conta o desequilíbrio das forças militares das partes.


Como dissemos, a resposta israelita dificilmente podia ter sido mais rápida. Os grupos de guerrilheiros palestinianos foram expulsos de volta para Gaza, e concomitantemente foram feitos ataques indiscriminados à região, que tem das maiores densidades populacionais do mundo, aproximadamente 5500 pessoas por quilómetro quadrado, com um total de 2,3 milhões de pessoas concentradas nesse exíguo território. Israel mobilizou 300000 reservistas, está a concentrar as suas forças em redor da Faixa de Gaza, e uma ofensiva punitiva parece inevitável. Montou também um cerco total, que de acordo com a ONU é “proibido segundo o Direito Internacional”: bombardeando a entrada de mantimentos e ajuda humanitária pelo sul, a partir do Egito, assim como a saída da população palestiniana; cortando a água e a eletricidade, e forçando a paragem da única central elétrica do território. Se a “guerrilha se move entre a população como um peixe se move na água” (Mao Tse-Tsung, “Sobre a Guerra de Guerrilha”), metaforicamente, há uma tentativa israelita de envenenar a água através dos bombardeamentos intensivos a Gaza, para quebrar o Hamas. Infelizmente, esse envenenamento consiste, materialmente, em crimes de guerra e na lenta destruição do povo palestiniano que habita na Faixa de Gaza. Quer pelos ataques a qualquer infraestrutura, pois infraestruturas civis e militares são indistinguíveis neste tipo de guerra (especialmente numa zona populacional tão densa), quer pelas deploráveis condições humanitárias que se vivem na região, agravadas até ao extremo pelo cerco ilegal imposto por Israel.


Imagem 3: “Ataques israelitas à Faixa de Gaza”

@Diário de Notícias


Segundo estatísticas divulgadas pela National Public Radio (rede de rádio pública norte-americana), mais de 80% dos habitantes de Gaza vivem numa situação de pobreza: a idade média da população é de 18 anos; não há água limpa disponível para 95% da população; a taxa de desemprego é de aproximadamente 46%; 1.7 milhões dos mais de dois milhões de habitantes são refugiados palestinianos de outras regiões ocupadas; 80% de quem vive em Gaza depende de ajuda internacional, agora totalmente bloqueada pelo cerco israelita, mas já desde há muito dificultada pelas limitações de circulação impostas por Israel e o Egito às organizações humanitárias e habitantes de Gaza - há apenas três pontos de passagem para o território, que só abrem periodicamente.


Mas esse preço, o de “envenenar a água”, é um preço que os israelitas estão dispostos a pagar, se tal lhes for permitido: o ministro da defesa israelita Yoav Gallant diz que “estamos a lutar com animais humanos”. Tal ideia não podia contrariar de forma mais estridente os ideais de direitos humanos e inviolabilidade da dignidade humana caracterizados como elemento essencial do coro de democracias liberais do mundo ocidental, do qual Israel é apêndice.


A brutalidade dos ataques palestinianos e a forma como constituiu reféns é uma realidade inegável e, como já referimos, foi feito com o fim expresso de causar o terror entre a população israelita. No entanto, é impossível separar estas ações do contexto geral em que surgem. E esse contexto é a intransigência israelita em aceitar um acordo em pé de igualdade com um verdadeiro Estado da Palestina e em recuar da sua ocupação ilegal de territórios palestinianos. Tal assunto foi explorado pelo estudo “Legality of the Israeli Occupation of the Occupied Palestinian Territory, Including East Jerusalem” de 2023, conduzido pelas Nações Unidas, que entre outras conclusões, refere que a ocupação israelita é ilegal por duas razões: em primeiro lugar, ab initio, por partir de um ato de agressão; paralelamente, pela “ocupação beligerante em si ter sido conduzida de uma forma que equivale a um uso desnecessário e desproporcional da força em legítima defesa”, aspeto traduzido não só, mas por exemplo, pela incessante constituição de colonatos israelitas na Cisjordânia, com o resultante encarceramento de um povo em vários pequenos territórios, isolados entre si, com parcas condições de sobrevivência (como se pode ver no seguinte mapa; não só a faixa de Gaza, mas dispersos pela Cisjordânia).


Imagem 4: “Território controlado pela Autoridade Nacional Palestiniana, 167 enclaves na Cisjordânia e a Faixa de Gaza”

@Wikipedia


Israel tem o apoio vincado do mundo ocidental, e o coro de condenações às ações do Hamas é politicamente unívoco na nossa parte do mundo; apoio esse que se estende, tácita ou expressamente, aos bombardeamentos indiscriminados à Faixa de Gaza, a qualquer futura violenta incursão militar à região e, num ponto de vista mais abrangente, ao status quo da ocupação israelita da Palestina, salvo protestos formais inconsequentes das Nações Unidas. Interessa refletir, em simultâneo com estas legítimas condenações à violência, sobre três aspetos: sobre a impotente e silenciosa resistência do povo palestino que precedeu e persistirá após esta explosão violenta do Hamas, sem qualquer meio efetivo para transcender a sua subjugação; sobre qual é o caminho, em concordância com o Direito Internacional e o nosso desejo universal pela não-violência, que o povo palestino tem para realizar os seus desejos de autodeterminação e dignidade humana; e sobre o que esperamos que seja o resultado de comprimir, esmagar, asfixiar um sentimento de ódio que cresce em volatilidade e potência.


O que pode resultar disso senão uma explosão?

Diogo Lamego

Bernardo Pinho

Departamento Sociedade


[1] Corrente nacionalista que apoia a formação de um Estado para o povo judeu.

[2] Criada no ano de 1945.

[3] A primeira foi a Guerra das Pedras.


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