Há uma geral conceção na sociedade de que fazer voluntariado é, indubitavelmente, sinónimo de fazer algo de bom… e isso tem de mudar.
À superfície não parece existir absolutamente nada de errado com voluntariado. Doar parte do nosso tempo e esforço para ajudar uma causa em que acreditamos, partilhando de um espírito altruísta de entreajuda humana, como é possível que uma premissa tão encorajadora dê lugar a algo prejudicial? Infelizmente, em muitos lugares do mundo, o voluntariado tornou-se algo industrializado. Inúmeras organizações cobram valores exorbitantes a jovens que querem ajudar fora do seu país a troco de experiências aparentemente significativas, mas que, na realidade, podem piorar ainda mais a situação em causa.
Quando o termo voluntourism surgiu, o conceito de ajudar quem mais precisa enquanto simultaneamente se viaja para um novo país pareceu ser o par perfeito entre altruísmo e diversão. Todavia, lentamente foi-se tornando no novo setor da indústria do turismo, e como tal começou a ser aproveitado por organizações não governamentais, instituições religiosas e até mesmo governos de alguns países.
As críticas ao voluntourism incluem o excessivo consumo dos recursos locais (há organizações que tentam contrariar isto ao pedir aos voluntários que tragam a sua própria comida mas muitas vezes estes são apenas mais uma “boca para alimentar”); A inexperiência dos voluntários para o tipo de trabalho a realizar (mais evidente em jovens que não são especializados em nenhuma área); A brevidade destas viagens, que costumam durar menos de um mês, e a fraca supervisão e critérios aplicados aos voluntários que têm de lidar com pessoas e comunidades vulneráveis, e que por isso mesmo merecem critérios operacionais muito mais estritos; E finalmente, a disrupção que pode provocar sobre a economia local.
Surgem relatos de jovens que viajaram para África com o intuito de construir escolas (apesar de terem absolutamente nenhuma experiência em construção), e que, após acordarem a meio da noite, descobriram que construtores locais destruíram o que havia por eles sido feito fracamente durante o dia de modo a reconstruí-lo à noite sem eles saberem. Há também testemunhos de orfanatos que regularmente deitam fora sacos de brinquedos doados de forma a que o envio destes brinquedos continue. Em países como o Haiti, Nepal, Camboja e Uganda ocorreram situações em que pais foram pressionados (e alguns até pagos) para enviarem os seus filhos para orfanatos, sob as falsas promessas de que lá teriam melhores condições de vida. Essas instituições usavam fotografias dessas crianças para conseguir apoios e ajudas monetárias provenientes de países mais ricos, e, após o seu resgate, as crianças descreveram os abusos e privações que sofriam ao cuidado desses mesmos orfanatos.
Em Guatemala, a missão cristã Hope of Life International está focada em resgatar crianças doentes, feridas ou desnutridas nas zonas mais rurais do país. Esta organização recebe todos os meses dezenas ou centenas de voluntários provenientes da América do Norte que querem fazer parte dos resgates. Nas fotografias disponíveis no website da instituição podemos ver a determinação destes voluntários, enquanto atravessam rios e montanhas com crianças em estado crítico nos braços. Every second, every minute matters (cada segundo, cada minuto importa), diz o fundador da organização.
A verdade é que essas zonas são exploradas por trabalhadores da Hope of Life, cujo trabalho é encontrar crianças que precisem de ajuda. Caso descubram uma, em vez de a ajudar imediatamente, estes patrulhas comunicam com a instituição para que uma equipa de resgate com os voluntários seja enviada, de modo a que estes possam fazer parte do “salvamento” da criança… afinal, os segundos e os minutos não importam assim tanto.
É precisamente este tipo de voluntariado que se deve evitar, independentemente do quão apelativo é passar umas férias em algum país exótico a troco de brincar com algumas crianças num orfanato durante duas semanas… Há que ter consciência do peso das nossas ações e saber avaliar se estaremos efetivamente a fazer uma diferença, ou se o dinheiro da viagem não seria mais importante sob a forma de uma doação por exemplo.
Todavia, isto não significa que todas as pessoas que fazem voluntariado noutro continente são na verdade egoístas com um complexo white savior, muitos são autênticos heróis que inclusive arriscam a vida para ajudar pessoas em necessidade extrema. Para além disso, pode ser uma experiência extremamente enriquecedora e trazer benefícios tanto à comunidade em causa como ao voluntário.
Para termos a certeza de que iremos para a segunda categoria, há alguns passos a ter em conta antes de prosseguir com o voluntariado:
PESQUISA, PESQUISA E MAIS PESQUISA: tenta descobrir o máximo possível sobre o voluntariado e a organização com a qual irás trabalhar;
Questiona a organização: mantém um espírito crítico e garante que não há “buracos” na sua narrativa ou exigências desnecessárias (especialmente monetárias!);
Oferece os teus fortes, não as tuas fraquezas: se estás mais especializado em alguma área, foca-te naquilo que melhor podes oferecer. Não vais ajudar ninguém se não souberes o que estás a fazer;
Dá prioridade ao voluntariado que promova o desenvolvimento sustentável e economias circulares e locais: lembra-te que o melhor que podes oferecer àquela comunidade é a capacidade de não precisar mais de voluntários! Promover as economias locais combate a dependência de ajudas externas;
Acima de tudo, toma consciência das tuas ações e intenções, e questiona-te se não irás prejudicar mais do que ajudar ou se apenas o queres fazer pelas aparências!
Beatriz Froufe
Departamento Mundo Universitário
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